No início de 2016, o Cinéfilo Preguiçoso viu Hannah Arendt, de Margarethe von Trotta (2012) em DVD; no início de 2017 pôde ver Vida
Activa: O Espírito de Hannah Arendt
(2015), de Ada Ushpiz, numa sala bem composta de Lisboa (a do Cinema Ideal).
Apesar de o primeiro filme assumir o registo ficcional e o segundo ser um
documentário, ambos tomam como ponto de partida o julgamento de Adolf Eichmann
em 1961, um momento considerado fulcral para o desenvolvimento do pensamento da
filósofa. Vida Activa fornece-nos uma
visão mais abrangente da vida de Arendt, recorrendo não só a imagens de arquivo
que a seguem desde o nascimento até à morte, mas também a depoimentos de
estudiosos que defendem ou questionam os seus pontos de vista, sem evitarem os
pontos mais controversos da sua vida e obra, como a ligação a Heidegger (descrito
como um pensador que, contudo, falhou no plano da acção) ou a sua abordagem à
colaboração de alguns judeus com o sistema nazi. Perante estes comentários,
destaca-se a independência de Arendt, alvo de ataques dos mais diversos grupos,
inclusivamente daqueles de que supostamente estaria mais próxima. Apesar de tanto
Hannah Arendt como Vida
Activa apresentarem o pensamento de Arendt quase exclusivamente como uma
reacção ao nazismo e ao genocídio, com grande insistência em imagens de
violência contra os judeus no filme de
Ada Ushpiz, é inegável que a crise dos refugiados e o ressurgimento do racismo institucionalizado reforçam a actualidade da obra da filósofa e a urgência
de a reler. A questão mais
sublinhada neste documentário – a necessidade de se pensar para se resistir à
«banalidade do mal» – alia-se à ideia de que, como salienta Judith Butler, se
reflectirmos um pouco, perceberemos que a pluralidade é o maior bem da
humanidade. Vida Activa parece um
objecto estranho numa sala de cinema de um Chiado permanentemente ocupado por
turistas em clima de festa, mas é essencial não esquecer os
acontecimentos que documenta.