8 de janeiro de 2017

Vida Activa: O Espírito de Hannah Arendt


No início de 2016, o Cinéfilo Preguiçoso viu Hannah Arendt, de Margarethe von Trotta (2012) em DVD; no início de 2017 pôde ver Vida Activa: O Espírito de Hannah Arendt (2015), de Ada Ushpiz, numa sala bem composta de Lisboa (a do Cinema Ideal). Apesar de o primeiro filme assumir o registo ficcional e o segundo ser um documentário, ambos tomam como ponto de partida o julgamento de Adolf Eichmann em 1961, um momento considerado fulcral para o desenvolvimento do pensamento da filósofa. Vida Activa fornece-nos uma visão mais abrangente da vida de Arendt, recorrendo não só a imagens de arquivo que a seguem desde o nascimento até à morte, mas também a depoimentos de estudiosos que defendem ou questionam os seus pontos de vista, sem evitarem os pontos mais controversos da sua vida e obra, como a ligação a Heidegger (descrito como um pensador que, contudo, falhou no plano da acção) ou a sua abordagem à colaboração de alguns judeus com o sistema nazi. Perante estes comentários, destaca-se a independência de Arendt, alvo de ataques dos mais diversos grupos, inclusivamente daqueles de que supostamente estaria mais próxima. Apesar de tanto Hannah Arendt como Vida Activa apresentarem o pensamento de Arendt quase exclusivamente como uma reacção ao nazismo e ao genocídio, com grande insistência em imagens de violência contra os judeus no filme de Ada Ushpiz, é inegável que a crise dos refugiados e o ressurgimento do racismo institucionalizado reforçam a actualidade da obra da filósofa e a urgência de a reler. A questão mais sublinhada neste documentário – a necessidade de se pensar para se resistir à «banalidade do mal» – alia-se à ideia de que, como salienta Judith Butler, se reflectirmos um pouco, perceberemos que a pluralidade é o maior bem da humanidade. Vida Activa parece um objecto estranho numa sala de cinema de um Chiado permanentemente ocupado por turistas em clima de festa, mas é essencial não esquecer os acontecimentos que documenta.