15 de janeiro de 2017

A Morte de Luís XIV


A obra do realizador catalão Albert Serra, que tem estreado com louvável regularidade nas salas portuguesas, consiste em aproximações muito pessoais a figuras da história e do imaginário cultural ocidental: Quixote e Sancho (Honra de Cavalaria, 2006), os Reis Magos (O Canto dos Pássaros, 2008), Casanova (História da Minha Morte, 2013). A Morte de Luís XIV (2016), baseando-se nas memórias do duque de Saint-Simon para narrar os últimos dias do Rei-Sol, possui muitos traços em comum com os filmes anteriores, notavelmente a maneira como mostra o volume e o movimento dos corpos como objectos estranhos (quase se diria incómodos) em face da impassibilidade da natureza e dos objectos. Contudo, distingue-se destes por privilegiar a fidelidade à verdade histórica, em detrimento da criatividade do argumento e da imagética. O resultado é um filme visualmente interessante que consegue o feito de revelar o trabalho lento e implacável da morte com um mínimo de pathos, mas sem escamotear a dor nem a angústia e a impotência daqueles que rodeiam o moribundo. Há, porém, que reconhecer que o lastro histórico e o confinamento dos cenários tornam o filme unidimensional e limitam o seu alcance, por contraste com a esplendorosa liberdade formal de, por exemplo, Honra de Cavalaria. Jean-Pierre Léaud, no papel principal, demonstra mais uma vez que, mais do que filho espiritual de Truffaut ou ícone da Nouvelle Vague, é um actor extraordinário: o seu Luís XIV transforma-se muito gradualmente na sua própria máscara mortuária, sem nunca perder um vestígio de humanidade, dignidade e algo que poderíamos qualificar como uma pose régia, fruto da inércia de um reinado de 72 anos. A título de curiosidade, refira-se que A Morte de Luís XIV é uma co-produção da Rosa Filmes e foi parcialmente rodado no Palácio de Queluz.