Esta
semana, ainda interessado nos filmes de Christian Petzold, o Cinéfilo Preguiçoso viu Yella (2007) em DVD. O realizador integra este
filme, juntamente com The State I Am In
(2000) e Ghosts (2005), naquilo a que
chama a sua «trilogia dos fantasmas», identificando como suas referências
principais Carnival of Souls (Herk
Harvey, 1962) e «An Occurrence at Owl Creek Bridge», de Ambrose Bierce, um
filme e um conto com protagonistas que só no final se percebe que estão
mortos. Pode-se dizer que Yella,
filme que valeu a Nina Hoss o Urso de Prata para Melhor
Actriz no Festival de Berlim de 2007, gira
em torno de uma jovem contabilista a quem é
oferecida uma oportunidade para concretizar os sonhos e competências profissionais mas se vê
obrigada a concluir que a satisfação das ambições não conduz à felicidade que
pretendia. Escrever sobre os filmes de
Petzold, no entanto, coloca uma dificuldade interessante: os resumos do enredo
ficam muito aquém do que é mais decisivo. Referências ao passado da Alemanha,
ao contexto da reunificação ou aos problemas do capitalismo, ainda que
pertinentes e importantes, se desenvolvidas com demasiada insistência, podem
produzir descrições redutoras. Os dois filmes deste realizador sobre os quais o
Cinéfilo Preguiçoso já escreveu (Barbara
e Phoenix) caracterizam-se por uma
componente de estranheza muito próxima da do conto de fadas, que desde o início
faz o espectador duvidar da narrativa aparentemente simples e realista: em Phoenix, a incapacidade do marido de reconhecer
a mulher obriga à suspensão da descrença; em Barbara, o percurso imprevisível e a decisão inesperada da
protagonista no final do filme culminam numa cena quase onírica numa praia. De
modo semelhante, também em Yella se
detecta uma atmosfera fantasmagórica, assegurada não só pela expressão
imperscrutável da protagonista, quase sempre com a mesma blusa vermelha, mas
também por uma banda de som em que predominam sons recorrentes de água,
pássaros e vento nas árvores, em contraste com os ambientes assépticos dos
gabinetes das empresas e quartos de hotel onde se desenrola a acção. Apesar de
o filme decorrer nestes contextos mundanos e comezinhos dominados por objectivos
essencialmente económicos, a corrente mais misteriosa do filme vai apontando
sempre para uma dimensão mais complexa, que se traduz num final surpreendente, de
certo modo convocado pela protagonista como forma de autopunição. Esta dimensão
misteriosa transforma uma narrativa banal numa história intrigante que nos
obriga a pensar.