Procurando uma alternativa às propostas nas salas, o Cinéfilo Preguiçoso decidiu ver em DVD o documentário A Toca do Lobo (2015), de Catarina Mourão. O filme é construído em torno da figura do escritor Tomaz de Figueiredo (1902-1970), avô da realizadora. Na ausência de recordações directas deste antepassado que morreu antes do seu nascimento e em face das histórias problemáticas que se contam sobre ele, Catarina Mourão recorre a depoimentos (em particular os da sua mãe) e arquivos, incluindo o extenso dossiê da PIDE sobre o seu tio (filho de Tomaz de Figueiredo), bem como o excerto de uma emissão da RTP dos anos 60 em que o escritor fala da sua colecção de saquinhas de cachimbo e manifesta o desejo de que uma sua futura neta («talvez chamada Catarina») venha a brincar com estas e a encontrar novos usos para elas. A investigação é mostrada de forma bastante exaustiva, com algumas descobertas inesperadas, mas sobretudo muitas lacunas e zonas de sombra relacionadas com falta de informação ou impedimentos resultantes de querelas familiares nunca ultrapassadas. A Toca do Lobo está longe de ser um documentário formalmente inovador, mas vale pela forma extraordinariamente lúcida como explora o conflito entre o desejo de saber e os constrangimentos associados à falibilidade ou renitência das testemunhas, destacando-se também por explorar uma história individual no contexto da história colectiva de todas as famílias que viveram o século XX em Portugal: não será um exagero dizer que todos nós teremos para contar uma história semelhante, com consequências que se prolongam até ao presente. Tem também o mérito de não criar uma aura de excelência ou de heroísmo em torno do retratado. No final do filme, a realizadora e os filhos brincam com as saquinhas de cachimbo (resgatadas ao espólio do escritor, guardado ciosamente por uma tia distante e refractária a todas as tentativas de contacto), cumprindo assim a profecia do avô e bisavô Tomaz. As cenas finais, deste modo, mostram algo que se aproxima de um final feliz, mais relacionado com a sucessão tranquila das gerações (não é por acaso que o filme começa e acaba com imagens dos elementos mais jovens da família) do que com a revelação de um qualquer segredo grave e obscuro.