19 de março de 2017

Na Vertical


O filme Na Vertical, de Alain Guiraudie (2016), não fará muito o género de quem só goste de histórias bem contadas. É um filme sem grande linearidade narrativa, com encadeamentos surpreendentes, propositadamente cortejando o disparate. É também um filme sobre procrastinação – procrastinação das obrigações da idade adulta e, mais especificamente, das obrigações do trabalho (escrever um argumento). O que faz o protagonista para procrastinar? Passeia pelas paisagens montanhosas e desoladas do Sudoeste da França, conversa com pastores, envolve-se em aventuras heterossexuais e homossexuais, tem um filho, ajuda um suicídio, visita uma curandeira na floresta, mente para receber adiantamentos, torna-se sem-abrigo. Em pano de fundo, a sensação de ameaça imposta pela presença invisível dos lobos, concretizada nas cenas finais, quando o protagonista ganha coragem para a enfrentar. Mais do que o muito elogiado O Desconhecido do Lago (2013), Na Vertical é típico do cinema de Guiraudie pela maneira como combina o onirismo, o realismo social e um simbolismo tortuoso que transformam os seus filmes em objectos inspiradores ou exasperantes, conforme os gostos e expectativas do espectador. A exploração de cenários naturais que são tudo menos idílicos e a subversão dos papéis sexuais e de género são outros tantos ingredientes a que a carreira deste cineasta nos habituou. Ainda que, objectivamente, Na Vertical pareça menos conseguido e menos coerente do que O Desconhecido do Lago, não deixa de suscitar algum alívio verificar que Guiraudie, em vez de se deixar intoxicar com o sucesso crítico, continua apostado em realizar filmes heterodoxos que estão tão longe do mainstream como do cinema de autor tipicamente parisiense e quase institucional (que o Cinéfilo Preguiçoso – assinale-se – também aprecia).