26 de março de 2017

Café Lumière


Café Lumière (2003), do realizador taiwanês Hou Hsiao-hsien, visto esta semana em DVD, assume-se como uma homenagem ao grande Yasujiro Ozu. A narrativa é extremamente ligeira e rarefeita: Yoko, uma jovem japonesa que investiga a vida do compositor taiwanês Jiang Wen-Ye, vagueia por Tóquio, encontra-se com um amigo livreiro que a ajuda a interpretar os seus sonhos e lhe fornece material para a investigação, confessa despreocupadamente aos pais que está grávida de três meses e não pretende casar com o pai do bebé, distribui aos amigos e à senhoria presentes trazidos de uma viagem a Taiwan. Não existe algo que possa ser designado de «enredo» ou que se assemelhe a um desfecho. Apesar de, como nos filmes de Ozu, a dificuldade de comunicação entre gerações assumir um papel importante, está ausente deste filme o carácter dramático das relações humanas, sistematicamente explorado pelo autor de Viagem a Tóquio (1953). Os diversos espaços e a deslocação através deles são mais importantes do que qualquer intriga. Contudo, apesar da aparente atonia, a personagem principal revela uma densidade emocional transmitida através de pequenos gestos e entoações ou da maneira como percorre o ambiente urbano de Tóquio, mostrado com uma naturalidade de documentário mas filmado com um trabalho de enquadramento rigoroso digno do próprio Ozu (não faltam as linhas de electricidade e numerosos comboios, incluindo um artista para quem são o tema central). Café Lumière é um filme em tom deliberadamente menor que poderá desiludir quem espere uma homenagem mais arrojada ou mais explícita a um dos maiores cineastas de todos os tempos. A opção de Hou foi outra: em vez de inovar ou imitar, limitou-se (e isso não é pouco) a fazer uma discreta aproximação formal ao universo de Ozu, deixando a sua maneira de olhar as pessoas e de as fazer existir no ecrã ser contaminada pelas lições do mestre japonês.