O Cinéfilo Preguiçoso tinha
perdido David
Lynch: The Art Life (Jon Nguyen,
Rick Barnes e Olivia Neergard-Holm, 2016) não só no DocLisboa 2016 mas também há cerca de um mês, quando passou nas
salas. Constatando que estava disponível no videoclube de uma operadora de
telecomunicações, esforçou-se por não desperdiçar a terceira oportunidade de
ver este documentário. David Lynch: The
Art Life organiza-se em torno das palavras de Lynch (n. 1946), em
associação livre, como numa sessão de terapia. Este relato é ilustrado por vídeos
caseiros e fotografias da família do realizador, bem como por imagens dos
quadros da sua autoria e cenas um pouco decorativas que mostram o artista,
sempre muito fotogénico, bem-vestido e bem penteado, a trabalhar no ateliê. Apesar
de Lynch se ter destacado essencialmente enquanto cineasta, a sua relação com a
arte iniciou-se na pintura, uma prática que cultiva até hoje e parece não só
tê-lo ajudado a concentrar energias e a preparar-se para a sua obra
cinematográfica, mas também funcionar como elemento indissociável do seu olhar
e da sua vida. Neste filme, Lynch recorda os acontecimentos mais marcantes do
seu percurso artístico, até à realização de Eraserhead
(1977), quando, um pouco inesperadamente, encontra no cinema o meio adequado
para se expressar. Vai referindo as dificuldades da relação com os pais, a estranheza
de certos acontecimentos quotidianos que testemunhou na infância e adolescência,
descrevendo ao mesmo tempo os ateliês em que que trabalhou e dando destaque às
pessoas que desde cedo o compreenderam e apoiaram. Trata-se de um discurso surpreendentemente
ingénuo, desprovido de eloquência, quase desinteressante, mas que ainda assim
transmite a enorme singularidade da perspectiva deste artista. Vamos percebendo
lentamente aquilo que as pessoas que o foram apoiando souberam adivinhar nele
desde o início: um olhar único, assente no interesse por assuntos que a maioria
de nós evita e nunca consideraria inspiradores, mas que em Lynch se traduz em
filmes de culto como Blue Velvet (1986)
ou Mulholland Drive (2001). Quem vir
este documentário à procura de lições de vida, citações sobre arte ou
afirmações brilhantes e memoráveis sentir-se-á defraudado. Ao adoptar um
testemunho na primeira pessoa do singular como solução narrativa exclusiva, David Lynch: The Art Life reflecte
fielmente a personalidade do realizador (ou a personalidade que ele opta por
projectar), avessa a teorizações e moralismos, e funciona essencialmente como
uma janela para um universo criativo que é muito mais sensorial e emocional do
que verbal.