10 de setembro de 2017

David Lynch: The Art Life


O Cinéfilo Preguiçoso tinha perdido David Lynch: The Art Life  (Jon Nguyen, Rick Barnes e Olivia Neergard-Holm, 2016) não só no DocLisboa 2016 mas também há cerca de um mês, quando passou nas salas. Constatando que estava disponível no videoclube de uma operadora de telecomunicações, esforçou-se por não desperdiçar a terceira oportunidade de ver este documentário. David Lynch: The Art Life organiza-se em torno das palavras de Lynch (n. 1946), em associação livre, como numa sessão de terapia. Este relato é ilustrado por vídeos caseiros e fotografias da família do realizador, bem como por imagens dos quadros da sua autoria e cenas um pouco decorativas que mostram o artista, sempre muito fotogénico, bem-vestido e bem penteado, a trabalhar no ateliê. Apesar de Lynch se ter destacado essencialmente enquanto cineasta, a sua relação com a arte iniciou-se na pintura, uma prática que cultiva até hoje e parece não só tê-lo ajudado a concentrar energias e a preparar-se para a sua obra cinematográfica, mas também funcionar como elemento indissociável do seu olhar e da sua vida. Neste filme, Lynch recorda os acontecimentos mais marcantes do seu percurso artístico, até à realização de Eraserhead (1977), quando, um pouco inesperadamente, encontra no cinema o meio adequado para se expressar. Vai referindo as dificuldades da relação com os pais, a estranheza de certos acontecimentos quotidianos que testemunhou na infância e adolescência, descrevendo ao mesmo tempo os ateliês em que que trabalhou e dando destaque às pessoas que desde cedo o compreenderam e apoiaram. Trata-se de um discurso surpreendentemente ingénuo, desprovido de eloquência, quase desinteressante, mas que ainda assim transmite a enorme singularidade da perspectiva deste artista. Vamos percebendo lentamente aquilo que as pessoas que o foram apoiando souberam adivinhar nele desde o início: um olhar único, assente no interesse por assuntos que a maioria de nós evita e nunca consideraria inspiradores, mas que em Lynch se traduz em filmes de culto como Blue Velvet (1986) ou Mulholland Drive (2001). Quem vir este documentário à procura de lições de vida, citações sobre arte ou afirmações brilhantes e memoráveis sentir-se-á defraudado. Ao adoptar um testemunho na primeira pessoa do singular como solução narrativa exclusiva, David Lynch: The Art Life reflecte fielmente a personalidade do realizador (ou a personalidade que ele opta por projectar), avessa a teorizações e moralismos, e funciona essencialmente como uma janela para um universo criativo que é muito mais sensorial e emocional do que verbal.