24 de setembro de 2017

Glengarry Glen Ross



O Verão já lá vai, estamos quase no fim de Setembro, e mesmo assim ainda não estreou nada de jeito nas salas de cinema. Para evitar o desânimo, o Cinéfilo Preguiçoso decidiu recorrer a um autor – David Mamet – que raramente desilude (confirmar em textos sobre The Spanish Prisoner e House of Games). Visto em DVD, o filme Glengarry Glen Ross (1992) foi realizado por James Foley, mas adaptando uma peça de David Mamet, com guião do mesmo dramaturgo. Apesar de o seu tema conflitos e dramas profissionais de vendedores/vigaristas não parecer imediatamente apaixonante, o filme não permite sequer um segundo de desinteresse ou desatenção, graças à intensidade dos diálogos e ao desempenho dos actores. Glengarry Glen Ross espanta-nos com um elenco de estrelas masculinas: Ed Harris, Al Pacino, Alan Arkin, Kevin Spacey e sobretudo Jack Lemmon, merecidamente premiado com a taça Volpi, para melhor actor, no Festival de Veneza –  a gama de emoções que perpassam por um rosto aparentemente tão banal como o de Lemmon é assombrosa. (Por este filme, nos Óscares de 1993, Al Pacino, um actor que representa sempre a mesma personagem – ele próprio –, recebeu uma nomeação como melhor actor secundário, no ano em que venceu o prémio de melhor actor principal, com o medíocre Scent of a Woman. Lemmon não foi nomeado.) A mestria de Mamet é evidente nos longos diálogos destes vendedores que têm de apresentar lotes de terreno mirabolantes como oportunidades de investimento imperdíveis. Há um contraste marcado entre o conteúdo ténue destas conversas e a energia com que são enunciadas, como se fossem uma questão de vida ou de morte. As personagens falam para mostrarem que estão vivas, apesar da profissão que têm e de a vida no escritório despertar o que há de pior em cada ser humano. Como noutros filmes de Mamet, há um objecto de cobiça mais ou menos abstracto, referido até à exaustão: em A Prisioneira Espanhola era um misterioso «processo», descrito num caderno vermelho; em Heist, umas barras de ouro; em Glengarry Glen Ross há umas enigmáticas «leads», uns cartõezitos de aparência insignificante, alguns dos quais incluem informação decisiva para as vendas se realizarem, enquanto outros não passam de becos sem saída, por conterem apenas contactos praticamente impossíveis de explorar. Estas «leads» são tão cobiçadas, que desencadeiam um assalto aos escritórios da empresa, precipitando um desenlace surpreendente. Glengarry Glen Ross permite leituras a vários níveis, incluindo o político e sociológico, mas é também (e nisto o filme é mametiano até à medula) uma extraordinária exploração de como a linguagem, supostamente um instrumento de elucidação e representação do mundo, pode ser usada para ludibriar e para adquirir ascendente sobre um adversário.