O Verão já lá vai, estamos quase no fim de Setembro, e
mesmo assim ainda não estreou nada de jeito nas salas de cinema. Para evitar o
desânimo, o Cinéfilo Preguiçoso decidiu recorrer a um autor – David Mamet – que
raramente desilude (confirmar em textos sobre The Spanish Prisoner e House of Games). Visto em DVD, o filme Glengarry
Glen Ross (1992) foi realizado por James Foley, mas adaptando uma peça de
David Mamet, com guião do mesmo dramaturgo. Apesar de o seu tema – conflitos e dramas profissionais de
vendedores/vigaristas –
não parecer imediatamente apaixonante, o filme não permite sequer um segundo de
desinteresse ou desatenção, graças à intensidade dos diálogos e ao desempenho
dos actores. Glengarry Glen Ross espanta-nos
com um elenco de estrelas masculinas: Ed Harris, Al Pacino, Alan Arkin, Kevin
Spacey e sobretudo Jack Lemmon, merecidamente premiado com a taça Volpi, para
melhor actor, no Festival de Veneza – a gama
de emoções que perpassam por um rosto aparentemente tão banal como o de Lemmon é
assombrosa. (Por este filme, nos Óscares de 1993, Al Pacino, um actor que
representa sempre a mesma personagem – ele próprio –, recebeu uma nomeação como
melhor actor secundário, no ano em que venceu o prémio de melhor actor
principal, com o medíocre Scent of a
Woman. Lemmon não foi nomeado.) A mestria de Mamet é evidente nos longos diálogos destes vendedores que têm de apresentar lotes de terreno
mirabolantes como oportunidades de investimento imperdíveis. Há um contraste
marcado entre o conteúdo ténue destas conversas e a energia com que são
enunciadas, como se fossem uma questão de vida ou de morte. As personagens
falam para mostrarem que estão vivas, apesar da profissão que têm e de a vida no
escritório despertar o que há de pior em cada ser humano. Como noutros filmes
de Mamet, há um objecto de cobiça mais ou menos abstracto, referido até à
exaustão: em A Prisioneira Espanhola
era um misterioso «processo», descrito num caderno vermelho; em Heist, umas barras de ouro; em Glengarry Glen Ross há umas enigmáticas
«leads», uns cartõezitos de aparência insignificante, alguns dos quais incluem
informação decisiva para as vendas se realizarem, enquanto outros não passam de
becos sem saída, por conterem apenas contactos praticamente impossíveis de
explorar. Estas «leads» são tão cobiçadas, que desencadeiam um assalto aos
escritórios da empresa, precipitando um desenlace surpreendente. Glengarry Glen Ross permite leituras a
vários níveis, incluindo o político e sociológico, mas é também (e nisto o
filme é mametiano até à medula) uma extraordinária exploração de como a linguagem,
supostamente um instrumento de elucidação e representação do mundo, pode ser
usada para ludibriar e para adquirir ascendente sobre um adversário.