Na semana passada, falávamos de erros de casting. A escolha de actores é sempre uma fase delicada na elaboração de um filme, repleta de possibilidades de desastre e requerendo equilíbrio entre a ousadia e a sensatez. O elenco de A Festa (2017), de Sally Potter, surpreende pela variedade: quem se lembraria de reunir num só filme actores como Kristin Scott Thomas, Timothy Spall, Emily Mortimer, Bruno Ganz e Cillian Murphy? Contudo, esta mistura improvável resulta bem: se é inegável que o filme tem algumas debilidades, não é por culpa dos intérpretes – apesar de Cillian Murphy, que parece ter sido teletransportado de um filme de Danny Boyle, estar em overacting do princípio ao fim, pode ser desculpado pelo facto de a sua personagem ser um cocainómano com tendências homicidas que acaba de descobrir que a mulher o trai. Nos melhores momentos, A Festa é uma comédia adulta, inteligente e bem escrita sobre a hipocrisia e a fragilidade das relações humanas, com uma generosa componente de crítica social. Nos momentos menos felizes, descarrila para situações algo convencionais e caricaturais, não faltando uma reviravolta final pouco imaginativa. A acção confina-se à casa de uma das personagens, Janet (Kristin Scott Thomas), anfitriã de uma festa destinada a celebrar a sua nomeação como ministra do governo sombra, e um dos pontos fortes do filme é precisamente a maneira como gere o espaço: a sala de estar concentra a maior parte dos acontecimentos e diálogos, servindo as divisões limítrofes como palcos secundários para confissões, segredos e diálogos íntimos. Sally Potter, com obra feita também nos campos da coreografia, música e encenação, tem vindo a construir uma filmografia singular, de onde se destacam filmes extremamente pessoais e formalmente livres, como o belíssimo A Lição de Tango (1997). Potter insere-se numa tradição de cinema britânico com tendências experimentais e afinidades com outras disciplinas artísticas (Peter Greenaway e Derek Jarman são os nomes mais conhecidos), contra a corrente da linha realista e socialmente atenta representada por Mike Leigh e Ken Loach, entre outros. A diversidade de temas e estilos da sua obra não retira interesse ao seu percurso; bem pelo contrário, desperta o interesse para cada novo filme, que surge sempre como um novo começo. A Festa esteve na secção competitiva do último Festival de Berlim, tendo sido ignorado pelo júri presidido por Paul Verhoeven, mas acabando por obter um prémio da associação alemã de salas de arte e ensaio.