O
que leva o Cinéfilo Preguiçoso a ver quase todos os filmes de Terrence Malick
apesar da ambivalência ou rejeição que invariavelmente lhe suscitam? Um certo
fascínio pelo potencial para o desastre do realizador ou a esperança irracional
de ele um dia criar uma obra-prima? A verdade é que, por muito maus que alguns
dos seus filmes possam ser (vide Cavaleiro de Copas ou A Essência do Amor),
encontramos na sua obra um olhar único e é muito raro chegar-se ao fim de um
deles sem vontade o discutir, quanto mais não seja para troçar dos momentos
mais duvidosos – mas não só. Não têm faltado as críticas arrasadoras a
propósito de Música a Música (2017), visto
no videoclube de uma operadora de telecomunicações, mas não é tão irritante como
os dois filmes anteriores de Malick. Há uma protagonista – Faye, a personagem
de Rooney Mara –, que funciona como fio condutor, enquanto narradora principal
em voz-off. Seguimo-la através das suas relações, primeiro com as personagens
de Ryan Gosling e de Michael Fassbender, a seguir com Bérénice Marlohe e ainda
Fassbender. Acompanhamos também outras relações das personagens de Fassbender e
Gosling. Enquanto o primeiro parece encarnar uma força totalmente negativa,
quase demoníaca, que tudo corrompe, o segundo representa a autenticidade, por
vezes, como no fim um pouco descabido, de um modo forçado. O percurso de Faye é
confuso e difícil, como o de tantos de nós, mas vai da escuridão para a luz. Malick
sempre teve uma certa tendência para filmar as personagens em coreografias
desligadas de qualquer acção. Neste filme usa e abusa desse maneirismo, mas
talvez por ter personagens do meio musical, este não parece tão escusado. Mesmo
nas aparições especiais de músicos, como Iggy Pop ou Lykke Li, a figura mítica
de Patti Smith tem uma função: quase como sacerdotisa, é uma figura de perdão. Música a Música vale, como os outros
filmes da fase da carreira de Malick encetada com A Árvore da Vida (2011), tanto por momentos fugazes de grande
beleza como pela coerência estética e estilística que nem os mais cáusticos
críticos poderão negar. Numa era marcada pela normalização dos gostos, há que
louvar os realizadores que são fiéis à sua visão e às suas convicções
artísticas, mesmo quando – como é o caso – o substrato moral e filosófico
resulta tão ténue.