19 de novembro de 2017

Música a Música


O que leva o Cinéfilo Preguiçoso a ver quase todos os filmes de Terrence Malick apesar da ambivalência ou rejeição que invariavelmente lhe suscitam? Um certo fascínio pelo potencial para o desastre do realizador ou a esperança irracional de ele um dia criar uma obra-prima? A verdade é que, por muito maus que alguns dos seus filmes possam ser (vide Cavaleiro de Copas ou A Essência do Amor), encontramos na sua obra um olhar único e é muito raro chegar-se ao fim de um deles sem vontade o discutir, quanto mais não seja para troçar dos momentos mais duvidosos – mas não só. Não têm faltado as críticas arrasadoras a propósito de Música a Música (2017), visto no videoclube de uma operadora de telecomunicações, mas não é tão irritante como os dois filmes anteriores de Malick. Há uma protagonista – Faye, a personagem de Rooney Mara –, que funciona como fio condutor, enquanto narradora principal em voz-off. Seguimo-la através das suas relações, primeiro com as personagens de Ryan Gosling e de Michael Fassbender, a seguir com Bérénice Marlohe e ainda Fassbender. Acompanhamos também outras relações das personagens de Fassbender e Gosling. Enquanto o primeiro parece encarnar uma força totalmente negativa, quase demoníaca, que tudo corrompe, o segundo representa a autenticidade, por vezes, como no fim um pouco descabido, de um modo forçado. O percurso de Faye é confuso e difícil, como o de tantos de nós, mas vai da escuridão para a luz. Malick sempre teve uma certa tendência para filmar as personagens em coreografias desligadas de qualquer acção. Neste filme usa e abusa desse maneirismo, mas talvez por ter personagens do meio musical, este não parece tão escusado. Mesmo nas aparições especiais de músicos, como Iggy Pop ou Lykke Li, a figura mítica de Patti Smith tem uma função: quase como sacerdotisa, é uma figura de perdão. Música a Música vale, como os outros filmes da fase da carreira de Malick encetada com A Árvore da Vida (2011), tanto por momentos fugazes de grande beleza como pela coerência estética e estilística que nem os mais cáusticos críticos poderão negar. Numa era marcada pela normalização dos gostos, há que louvar os realizadores que são fiéis à sua visão e às suas convicções artísticas, mesmo quando – como é o caso – o substrato moral e filosófico resulta tão ténue.