3 de dezembro de 2017

O Dia Seguinte



Esta semana vimos O Dia Seguinte, de Hong Sang-Soo (2017). Este realizador coreano gosta de jogar com a repetição. No início de O Dia Seguinte encontramos um editor dividido entre três mulheres que poderiam ser a mesma em três idades diferentes (juventude, início da idade adulta, meia-idade): todas encenam crises emocionais à frente dele, com uma intensidade francamente desajustada ao carácter medíocre e pusilânime da personagem. À repetição do feminino neste filme, alia-se a simulação de uma repetição estrutural: como em Sítio Certo, História Errada (2015), O Dia Seguinte inclui uma segunda parte que dá a ver de um modo diferente os episódios da primeira. A dada altura percebemos que a situação mudou e, recordando o filme de 2015, suspeitamos que se contará a mesma história, mas com alguns pormenores diferentes. Sucede, contudo, que na segunda metade de O Dia Seguinte, apesar de Hong retomar as personagens da primeira parte, procura-as tempos depois: não há narrativas alternativas, mas sim uma prolepse tão discreta quanto inesperada. O caos emocional da primeira parte já se converteu em resignação desencantada e os actos e personagens que pareciam importantes nessa altura são reduzidos à insignificância. A terceira figura feminina, da jovem que tanto interesse suscitara ao protagonista na primeira parte, visita-o na editora e ele só a custo se consegue lembrar de quem ela é; a segunda figura feminina (a amante, no início da idade adulta) desvaneceu-se com o tempo; só a relação conjugal do protagonista permanece. Os temas, a maneira despojada e lúdica de contar uma história e de enquadrar, assim como os diálogos intermináveis, bem regados com soju, são reconhecíveis por qualquer fã de Hong Sang-Soo, um cineasta extremamente prolixo que atingiu uma fase na carreira em que se permite a reincidência e um esboço de autocaricatura que se tornariam inevitavelmente irritantes num realizador menor. Para lá do estilo e das preferências formais, aquilo que interessa a Hong é, ainda e sempre, o amor, as consequências das escolhas individuais e a fragilidade das relações humanas. Parecem assuntos banais: é preciso ver um filme de Hong (mais do que um, de preferência) para perceber o que a sua abordagem tem de profundamente original. Talvez este seja o maior elogio que se pode fazer a um realizador de cinema.


Outros filmes de Hong Sang-Soo no Cinéfilo Preguiçoso: The Day He Arrives (2011), Haewon e os Homens (2013), Right Now, Wrong Then (2015).