20 de maio de 2018

Zama


Passaram-se nove anos entre A Mulher Sem Cabeça (2008) e a longa-metragem seguinte da realizadora argentina Lucrecia Martel. Zama (2017), estreado recentemente em Portugal, é uma adaptação do romance de Antonio Di Benedetto sobre um oficial da coroa espanhola colocado numa vila remota da América do Sul, algures no século XVIII. Apesar do longo intervalo, não parece que as prioridades de Martel tenham mudado: tal como A Mulher Sem Cabeça, Zama centra-se numa personagem mergulhada num mundo saturado de eventos e sinais que o tornam refractário à compreensão. Diego de Zama é-nos mostrado como uma pessoa capaz e ciente do seu dever, mas que progressivamente foca toda a sua energia no requerimento dirigido ao rei para ser transferido. Em torno de Zama, acumulam-se as intrigas e os episódios bizarros, por vezes nos limites do fantasmagórico, de que ele se vai progressivamente alheando, até, aparentemente, abdicar de qualquer esperança de transferência e se entregar à missão final de encontrar e neutralizar um bandoleiro famoso. O tema do homem branco nos confins da civilização, à beira da insanidade, está, obviamente, longe de ser original: Conrad e o Buzzati de O Deserto dos Tártaros não estão longe, assim como o Aguirre de Werner Herzog (1972). Martel mostra a alienação e a decadência da sua personagem no estilo vigoroso, visualmente rico e narrativamente esparso que a caracteriza. As semelhanças temáticas e de abordagem com A Mulher Sem Cabeça (um filme notável, diga-se de passagem) levam a pensar que, da próxima vez, Martel deveria fazer uma pausa menor entre projectos sucessivos, para se obrigar a pensar menos e cultivar mais diversidade. A reconstituição histórica funciona como reforço da estranheza que a realizadora costuma explorar e não como elemento novo na sua obra. Zama tem alguns motivos de interesse, mas deixou a estranha sensação de acrescentar pouco a uma filmografia que está a precisar de uma boa lufada de ar fresco.