Mulheres do Século XX (2016), visto em DVD, é o filme que
Mike Mills declarou ter feito para tentar compreender a mãe, depois de em 2010
ter realizado Beginners/Assim É O Amor, onde tentava compreender
o pai, um historiador de arte que foi director do Santa Barbara Museum of Art e
só assumiu ser homossexual aos setenta e cinco anos, cinco anos antes de
morrer. Perto do fim de Mulheres do
Século XX, a voz-off de Jamie (Lucas Jade Zumann), o filho-narrador afirma:
«Tentei explicar ao meu próprio filho como a avó era, mas foi impossível.» Um
dos pontos fortes do filme reside na consciência desta incompreensão e deste
fracasso – a ideia de que nem sempre somos capazes de entender as pessoas mais
importantes para nós – e nas soluções visuais e narrativas encontradas para lidar com essa
dificuldade fundadora. Dorothea Fields (Annette Bening), uma figura à Amelia
Earhart, revela-se refractária não só ao tempo, mas também a qualquer tipo de narração, explicação ou autodescrição, não
se percebendo bem se se trata de uma figura vazia ou de alguém que simplesmente
tem uma paixão maior do que as ferramentas ao seu dispor para a expressar, como
a dada altura se comenta a propósito da banda The Raincoats (que Dorothea,
sintomaticamente, não entende). Receando não ser capaz de educar o filho devido
à incomunicabilidade que a caracteriza, Dorothea pede ajuda a Abbie (Greta
Gerwig), Julie (Elle Fanning) e William (Billy Crudup), personagens que se
movem em torno da relação mãe-filho. Graças a esta «transferência de poderes» um
pouco a contragosto, Jamie é exposto a informação sobre o espírito do tempo (o
feminismo, o movimento pós-punk, o movimento new age, incluindo uma referência
à surpreendente intervenção de Jimmy Carter no discurso «Uma Crise de Confiança»), a
que Dorothea parece impermeável. Simultaneamente, essa transferência permite a
Mike Mills traçar um retrato histórico interessante dos Estados Unidos no
século XX, através da exploração da vida de todas estas personagens não só no
presente da acção (em 1979), mas também antes e depois desta data. Deste modo,
apesar de inspirado por uma incompreensão irresolúvel, Mulheres do Século XX funciona também como veículo de compreensão e
ilustra, de forma sóbria e muitas vezes tocante, a maneira como os afectos, o
acaso e as tendências de uma época contribuem para moldar a vida de cada
pessoa.