3 de junho de 2018

Nina


Qualquer filme biográfico sobre uma pessoa muito carismática corre o risco de se deixar deslumbrar pelo biografado e pode cair na tentação de achar que o carisma, por si só, chega para transformar essa pessoa numa personagem cativante e fazer um filme com interesse. Nina (2016), visto no videoclube de uma operadora de telecomunicações, sucumbe a esta tentação com estrondo e sem vestígios de luta. Ao passo que England Is Mine – Descobrir Morrissey (2017), mau grado as limitações apontadas, desenvolvia uma ideia legítima (mostrar o processo que transformou o jovem Steven no Morrissey dos Smiths), em Nina o espectador tem direito apenas a uma sequência de cenas desconexas, oscilando entre o passado e o presente, mas sempre centradas numa fase já decadente da vida da grande Nina Simone (final dos anos 80). Esta solução, além de não transmitir informação satisfatória sobre uma das figuras mais ricas do século XX, aproxima o filme do tom da telenovela. Parece crível que a realizadora, Cynthia Mort (mais conhecida como argumentista e produtora, por exemplo da série Roseanne), tenha querido transmitir a força interior de Nina Simone e a sua capacidade para contrariar o declínio artístico e físico, mas a maneira como o faz é tão frouxa que deita por terra qualquer boa intenção. A decisão de basear a linha narrativa numa relação entre duas pessoas muito diferentes – neste caso, com o enfermeiro Clifton Henderson (interpretado por David Oyelowo) –, além de convencional e de já ter sido explorada até à exaustão em muitos outros filmes, revela-se desastrosa, pelo facto de a segunda personagem parecer completamente nula do ponto de vista dramático. Talvez a única virtude deste filme seja demonstrar que a força, o talento e o carisma de Nina eram suficientemente grandes para sobreviver a tamanho cortejo de inépcias: Nina até ganha algum interesse quando, sem invenções nem filtros narrativos, mostra a cantora a actuar. Ao que parece, este filme conheceu várias vicissitudes, incluindo processos judiciais interpostos pela realizadora por estar descontente com decisões dos produtores. O Cinéfilo Preguiçoso não está interessado em esmiuçar estas questiúnculas, muito menos a controvérsia em torno da escolha de Zoe Saldana para o papel da protagonista, mas dá o benefício da dúvida a Cynthia Mort. Além disso, continuando interessado na grande Nina Simone, há-de ver em breve o documentário What Happened, Miss Simone? (2015, realizado por Liz Garbus), na esperança de obter resultados mais convincentes.