Baseado
no romance com o mesmo título de Ernest Pérochon (1924), o filme As Guardiãs (2017), de Xavier Beauvois,
visto em DVD, centra-se em França, no período da Primeira Guerra Mundial. O
título refere-se às mulheres que durante a guerra ficaram encarregadas de
preservar o património familiar, enquanto os homens estavam ausentes em combate.
A guardiã mais importante do filme é Hortense (Nathalie Baye), uma matriarca
que chama a si a defesa não só da quinta da família mas também de uma visão de
mundo conservadora, associada ao desejo de manter tudo como está,
independentemente de isso ser injusto para alguns. Vamos vendo sinais de
mudança lenta na crescente mecanização das actividades agrícolas (a
ceifeira-debulhadora, o tractor), na alteração de costumes propiciada pela
presença dos soldados americanos, mas sobretudo na personagem de Francine (Iris
Bry), uma rapariga órfã, “que não se sabe de onde vem”, mas é capaz de fazer
tanto tarefas delicadas como trabalhos mais exigentes do ponto de vista físico
e tradicionalmente atribuídos aos homens. A resistência de Hortense à mudança
torna-se clara no repúdio de Francine quando descobre a relação desta com o
filho. Curiosamente, esta resistência parece reflectir-se na resistência à
narrativa do próprio filme. O realizador mostra-se mais interessado em explorar
a suspensão temporal instalada pela guerra, os gestos repetitivos das
actividades agrícolas, a angústia permanente devido à expectativa das notícias
da frente de combate e os rostos das camponesas, em vez de investir na
narração. O Cinéfilo Preguiçoso nada tem contra a resistência à narração (pelo
contrário!); dir-se-ia, no entanto, que Beauvois não sabe muito bem o que fazer
com ela. Em certos momentos, lembramo-nos de um filme como Days of Heaven (1978), de Terrence Malick, mas enquanto em Malick o
desejo da transcendência está sempre presente, Beauvois cinge-se à terra,
parecendo incapaz de voos mais altos. O resultado é um filme de grande beleza
visual, que capitaliza com proveito a influência estética das obras de Corot,
Millet e outros pintores da escola Barbizon, mas não consegue despertar o
interesse do espectador pelas personagens. Reflectindo sobre as imagens de
camponesas absortas nas actividades de cultivo da terra dos pintores que já
referimos, o crítico Michael Fried descreve-as como uma figuração do esforço
físico e da absorção do processo do próprio artista a debater-se com a pintura.
Talvez possamos dizer uma coisa semelhante sobre este filme, onde vemos um realizador
a debater-se com o cinema, sem conseguir sair deste embate com uma vitória.