Visto em DVD, Hadewijch (2009) é um filme com muitas das características que distinguem a primeira fase de Bruno Dumont: actores amadores, coragem para abordar temas polémicos, estilo depurado e ascético. A personagem principal, Céline (ou Hadewijch, em homenagem à poetisa mística do século XIII), é uma jovem obcecada com Jesus Cristo que se entrega a mortificações a privações, o que leva a madre superiora do convento onde vive a persuadi-la a regressar ao mundo, na esperança de que o contacto com os eventos da vida real a predisponha para uma atitude menos rigorista. De regresso à sumptuosa casa familiar, em pleno centro de Paris, Céline envolve-se com um grupo de jovens muçulmanos, acabando por se aproximar de um deles e por encontrar algum consolo para as suas inquietações nas palavras deste. Hadewijch é um filme intenso e visualmente belo, mas não consegue libertar-se de uma certa unidimensionalidade: assistimos a um percurso, inusitado mas linear, da protagonista, sempre orientado pela procura da presença divina. Fica-se com a sensação de que esse percurso tanto poderia seguir o rumo que o filme descreve como qualquer outro onde Céline julgasse encontrar uma resposta para as suas angústias. O recurso ao fundamentalismo islâmico e ao terrorismo como solução narrativa deixa um certo mal-estar pela maneira superficial como um tema tão grave é tratado. As comparações com Bresson que são feitas a propósito deste filme justificam-se, mas os percursos espirituais das personagens de filmes como Fugiu Um Condenado à Morte (1956) ou Pickpocket (1959) possuem uma complexidade e são mostrados com uma profundidade (apesar da aparente simplicidade formal) que não existem no filme de Dumont. O final, lançando retrospectivamente uma nova luz sobre uma personagem que até aí parecia irrelevante (interpretada por David Dewaele, considerado pelo próprio Dumont uma espécie de alter-ego seu, e que viria a morrer prematuramente depois de desempenhar o papel principal no filme a seguir a este, Hors Satan, de 2011), é poderoso, apesar das numerosas ambiguidades – voluntárias ou não – que deixa no ar. Nos últimos anos, Dumont tem enveredado – com grande sucesso crítico – por novos registos (comédia, musical) com actores profissionais do calibre de Juliette Binoche e Fabrice Luchini, o que parece sensato, tendo em conta os sinais de algum esgotamento que Hadewijch torna evidentes. Para terminar, fica um apelo para que a última obra deste realizador, Jeannette, l'enfance de Jeanne d'Arc (2017), estreie finalmente em Portugal. Mais um filme sobre Joana d’Arc, depois de Dreyer, Bresson (outra vez) e Rivette, pode parecer supérfluo, mas o resumo despertou o interesse do Cinéfilo Preguiçoso.