Esta semana, no Cinema Ideal, o Cinéfilo
Preguiçoso viu Os Olhos de Orson Welles (2018), um documentário de Mark
Cousins, já nosso conhecido enquanto autor da excelente série A História do
Cinema: Uma Odisseia (2011), em quinze episódios. Cousins traça um retrato diferente dos
filmes e percursos de Orson Welles a partir dos desenhos e pinturas que este
fazia incansavelmente, registando ideias de cenografia, storyboards de
filmes, paisagens reais ou imaginárias e retratos de pessoas de onde sobressai o
seu interesse por rostos e expressões. De acordo com esta perspectiva, tal como
uma abelha não pode fazer senão mel, também Welles não podia produzir senão
imagens. Esta característica, aliás, parece aplicar-se ao próprio Mark Cousins.
O traço distintivo deste filme é pensar com imagens, no que é verdadeiramente
um ensaio cinematográfico que só a enorme cultura visual e a perspectiva
apaixonada de Cousins tornam possível. O tom é assumidamente pessoal, de um fã,
mas sem cultivar as observações cansativamente heróicas ou épicas que Welles
costuma inspirar, sobretudo quando se toma como ponto de partida a sua
biografia, as suas ambições vagamente megalomaníacas e as desventuras que
enfrentou no relacionamento com os estúdios. Alguns destes episódios são
referidos, principalmente em conversa com uma das filhas de Welles, mas nunca
assumem preponderância. Citizen Kane não é a obra mais destacada, ao
contrário do que costuma acontecer, dando assim espaço para observações
interessantes sobre pormenores de filmes como O Processo (1962), Macbeth
(1948), A Dama de Xangai (1947) e A Sede do Mal (1958). O filme
começa em Nova Iorque, visitando outros espaços por onde o realizador foi
passando ao longo da vida, com Cousins a interpelar directamente Welles (em
forma epistolar, um estratagema muito estafado mas que resulta bem neste caso),
explorando as diferenças entre o passado e o presente destes lugares e
salientando que Welles de algum modo antecipou as tentações totalitárias da
nossa época. Os Olhos de Orson Welles é cativante não só para fãs do
homenageado, mas também para pessoas que se interessam por imagens, mesmo que já
estejam cansadas das abordagens tradicionais ao cinema deste realizador. Só a
última secção do filme, em que Cousins imagina que Welles lhe responde por
carta, exaspera um pouco, até porque o filme já vai longo e até esse ponto
conseguiu equilibrar bem a paixão e a análise, em vez de se entregar ao
exagero. É pena que Cousins tenha cedido à tentação deste twist, tentando
fechar o filme com conclusões supostamente originais sobre o modus operandi
do realizador. O valor de Os Olhos de Orson Welles deriva da abordagem praticada
ao longo de quase duas horas: analítica e rigorosa, mas deixando espaço para a
admiração e para o fervor cinéfilo.