Em quase todos os filmes de Federico Fellini há uma personagem central que é exposta a um desfile de encontros, conversas, situações e recordações, chegando ao final deste percurso não necessariamente mais sábia, mas aparentemente mais capaz de tomar decisões sobre a sua vida. Neste sentido, o protagonista de A Voz da Lua (de 1990, gravado num canal de televisão), Ivo Salvini (excelente Roberto Benigni, muito mais subtil e contido do que nalguns papéis que lhe deram fama), é equiparável ao Moraldo de I Vitelloni (1953), ao Guido de Oito e Meio (1963), à Giulietta de Julieta dos Espíritos (1965) e ao Encólpio de Satyricon (1969). Também à semelhança de muitos filmes deste realizador, não existe uma linha narrativa clara em A Voz da Lua (apesar de adaptar, de forma livre, um romance de Ermano Cavazzoni), mas sim uma ideia e alguns elementos recorrentes, como o sapato da mulher amada que Ivo traz consigo, à laia de amuleto, ou a obsessão com a Lua e com a necessidade de a capturar. Ivo Salvini (apelido tristemente premonitório, hoje em dia associado a outro lunático bem mais perigoso) é uma criatura simples que, por vezes acompanhada por um ex-autarca com a mania da perseguição, erra pelas ruas de uma cidadezita italiana e pelos seus arredores ermos e banhados pelo luar. Os encontros que vai tendo servem para Fellini lançar ferroadas à sociedade do espectáculo e para se entregar a descrições humorísticas dos hábitos populares e pequeno-burgueses. Mais uma vez, isto não é novidade na obra felliniana (recorde-se, por exemplo, Ginger e Fred, de 1986, ou Roma, de 1972). Entre tantas afinidades, aquilo que distingue A Voz da Lua talvez seja a moderação pictórica, aliada a uma presença menos pronunciada de elementos oníricos, apesar do lirismo de alguns momentos: pela sua delicadeza, ligeireza e comicidade discreta, o filme convida o leitor a revisitar, mentalmente ou de outra forma, a obra de um realizador imenso, cujo 101º aniversário se comemorou há poucos dias mas que não envelheceu nem um pouco apesar de muitas vezes fazer opções estéticas associadas à época em que foram tomadas (por exemplo o neo-realismo, ou o psicadelismo dos anos 60/70). A última frase pronunciada por Ivo, que é também a última linha de diálogo do cinema de Fellini, é um apelo ao silêncio: se todos se calassem, talvez percebêssemos melhor as coisas. Talvez seja a este silêncio que as personagens deste cineasta aspiram, e é possível que o cinema mostre que, por mais gárrulo e tortuoso que seja, o caminho para o silêncio existe.