Gravado num canal de televisão, Misery/O Capítulo Final (1990), de Rob Reiner, adapta um romance de 1987 de Stephen King com o mesmo título, que tem como protagonista um autor de romances cor-de-rosa (Paul Sheldon/James Caan) sequestrado pela sua «fã número um» (Annie Wilkes/Kathy Bates) depois de um acidente de carro na neve. Reza a história que o papel de protagonista foi proposto a vários actores conhecidos (como William Hurt, Robert de Niro, Gene Hackman e Al Pacino), que o recusaram, talvez por se tratar de uma figura masculina totalmente controlada por uma figura feminina. Em Stand by Me/Conta Comigo (1986), Rob Reiner já tinha adaptado Stephen King, num excelente filme, que o autor considera a melhor adaptação cinematográfica de um livro seu. Misery não é um filme tão bom. Enquanto o romance de King é escorreito e consegue evocar uma dimensão de terror psicológico que pode ser associada ao medo de escrever para um público e de ser lido, o filme de Rob Reiner tem alguns momentos de gosto duvidoso, como a sanguinolenta luta final entre Annie e Paul, completamente dispensável. É inevitável fazermos uma comparação com The Shining (Stanley Kubrick, 1980): ambos giram em torno de escritores que vão escrever para lugares isolados pela neve no meio de nenhures e a quem acontecem coisas más. Por muito que Stephen King diga que não gosta do filme de Kubrick, em The Shining os momentos de terror assustam e intrigam permanentemente o espectador. Pelo contrário, no filme de Rob Reiner há situações que geram algum distanciamento e vontade de rir. Em contraste absoluto com a elegância urbana da agente do escritor (interpretada por Lauren Bacall), Kathy Bates (na altura uma desconhecida, mas que recebeu o Óscar para melhor actriz por este filme) explora eximiamente os extremos da inocência e da simpatia, por um lado, e da fúria assassina dos leitores que se sentem defraudados por um livro, por outro, mas a interpretação talvez ganhasse em acrescentar mais ambiguidade a estes dois extremos. Apesar de não ser muito subtil, Misery é um filme com algum interesse. A tirania do leitor em relação ao escritor preferido gera algumas situações e imagens em que ficamos a pensar: os dois livros (sem cópias) que são queimados; a máquina de escrever sem a letra N que depois serve de arma de arremesso; a pasta de cabedal, gasta pelo uso, em que o escritor transportou o primeiro romance; o telefone sem ligação ao exterior; a sugestão de que um escritor é comparável a alguém com as pernas partidas que está impedido de sair de casa e se vê obrigado a continuar a escrever. Curiosamente, a personagem do xerife (interpretada pelo veterano Richard Farnsworth, futuro protagonista de Uma História Simples, de David Lynch, 1999) que, com uma mistura de sagacidade e vagar, tenta descobrir o paradeiro do escritor, é parecida com as personagens de Frances McDormand e Tommy Lee Jones nos filmes dos irmãos Coen Fargo (1996) e No Country For Old Men (2007). Apesar de ser muito diferente de When Harry Met Sally…/Um Amor Inevitável (1989), a (excelente) comédia romântica que Rob Reiner realizou imediatamente antes, Misery também foi um êxito de bilheteira.