Tal como sucedera na longa-metragem de estreia de Louis Malle (Ascenseur pour l’Échafaud/Ascensor para o Cadafalso, de 1957), a segunda, Os Amantes (1958), vista esta semana em DVD, tem como elemento central um triângulo formado por um casal e pelo amante da mulher (Jeanne Moreau, em ambos os casos). As semelhanças, porém, ficam-se por aqui. Enquanto Ascenseur pour l’Échafaud/Ascensor para o Cadafalso é um thriller caracterizado pela contenção formal, Os Amantes é um objecto desconcertante que se diria uma resposta a um hipotético desafio de fazer três filmes num só. A primeira parte é realista e passa-se entre Dijon, onde vivem Henri (Alain Cuny) e Jeanne (Jeanne Moreau), e Paris, onde Jeanne se encontra regularmente com um amante, explorando-se um contraste entre o campo e a cidade. O segmento intermédio, que consiste num percurso de carro, bastante acidentado, que Jeanne faz entre Paris e Dijon, onde se prepara um jantar em que participarão o casal, o amante e a melhor amiga de Jeanne, é um mini-road movie rico em efeitos burlescos. A parte final, que abrange o jantar e a noite que se segue, começa num tom de denúncia irónica das hipocrisias da sociedade burguesa, para, durante a madrugada, derivar subitamente para um registo lírico e onírico que coincide com a aproximação entre Jeanne e o homem que lhe tinha dado boleia quando o seu carro se avariara durante o trajecto Paris-Dijon, e que acabara por ficar para o jantar. Parece crível que Malle e a argumentista Louise de Vilmorin tenham pretendido retratar uma mulher que procura a felicidade em vão junto de um marido distante e de um amante frívolo, e que a encontra com um desconhecido que o acaso coloca no seu caminho, mas esta intenção soçobra em face das inconsistências formais do filme. Os Amantes é uma obra curiosa que contém momentos conseguidos e se vê com agrado, apesar das suas fragilidades, consequência de uma desenvoltura formal a que não será alheio o espírito da Nouvelle Vague que nesta época despontava. Perante a invulgar versatilidade da filmografia de Malle, que vai do humor delirante de Zazie no Metro (1960) à encenação de uma conversa prandial sobre a vida e o teatro (My Dinner With Andre, 1981), é tentador ver neste filme o trabalho de um cineasta ansioso por experimentar estilos e abordagens diferentes. Terminemos com duas notas. Da ficha técnica, além do director de fotografia Henri Decaë (que trabalhou muitas vezes com Jean-Pierre Melville e que filmaria Os 400 Golpes, de Truffaut, no ano seguinte), consta um jovem Alain Cavalier como assistente de realização. Os Amantes esteve no centro de uma decisão judicial que fez jurisprudência: o Supremo Tribunal dos E.U.A. considerou que o filme não era obsceno, depois de o dono de um cinema do Ohio ter decidido projectar o filme apesar da interdição que lhe tinha sido aplicada.