5 de dezembro de 2021

Frágil como o Mundo

A segunda longa-metragem da carreira de Rita Azevedo Gomes, Frágil como o Mundo (2001), gravada na RTP2 e vista esta semana, deixa a sensação de estarmos perante uma cineasta ainda à procura de uma linguagem própria. O enredo, bastante simples, centra-se numa história de amor entre dois adolescentes que acabam por fugir das suas famílias e viver um curto idílio numa floresta, longe do mundo. Notam-se numerosas influências neste filme. Os movimentos de câmara, lentos e precisos, fazem lembrar Tarkovsky, sobretudo O Espelho (1975) e Stalker (1979); a fuga ao naturalismo nos diálogos e estilos de representação aproxima-o de muitas obras de Manoel de Oliveira; as imagens, num preto-e-branco muito contrastado, assim como a justaposição de corpos em trânsito e de cenários naturais, evocam O Sangue (1989), de Pedro Costa, filme com que partilha o director de fotografia (Acácio de Almeida). Os diálogos, assim como a narração em off, incluem abundantes citações de Sophia de Mello Breyner, Camões, Bernardim Ribeiro e outros autores. O resultado desta profusão de chamadas para obras alheias é alguma falta de coesão que retira impacto a Frágil como o Mundo. Existem, sem dúvida, numerosos filmes e cineastas que fazem amplo uso de citações literárias (Godard será disto o exemplo supremo) ou que revelam, sem pudor e de forma bem explícita, as suas influências (Tarantino, Wenders…). Porém, estes e outros cineastas integram e assimilam essas influências e citações no tecido da sua maneira pessoal de fazer cinema, coisa que Rita Azevedo Gomes ainda não faz com total sucesso em Frágil como o Mundo. O filme tem outros problemas, em particular o desequilíbrio entre a primeira parte, mais narrativa, e a segunda, onde o enredo se dilui num registo de poema visual, afim da fábula ou do conto infantil, abdicando por completo da exploração das personagens secundárias esboçadas na primeira parte. Apesar destas limitações, Frágil como o Mundo está muito longe de ser um filme desprovido de interesse. Vale a pena procurar nele prenúncios daquilo que a realizadora viria a fazer mais tarde, por exemplo, no notável A Portuguesa (2018), no que toca à composição minuciosa mas fluida dos planos e ao uso do som. Independentemente do que representou na filmografia de Rita Azevedo Gomes, este filme é merecedor de atenção por si só. Apesar de alguns desequilíbrios, resultou sem dúvida mais intenso e interessante do que teria sido se a realizadora tivesse evitado o risco e optado por um filme formalmente mais inócuo e menos pessoal.
 
Outros filmes de Rita Azevedo Gomes no Cinéfilo Preguiçoso: Correspondências (2016), A Portuguesa (2018).