O Cinéfilo Preguiçoso continua a explorar a obra de Joseph Losey. Monsieur Klein (1976) passa-se em 1942, em Paris, durante a ocupação nazi. Robert Klein (Alain Delon), um negociante de arte que não hesita em tirar partido dos concidadãos judeus compelidos a vender ao desbarato os seus artigos de valor, descobre a existência de um homónimo de etnia judaica com quem é confundido. As diligências obstinadas para saber mais sobre o paradeiro e identidade deste outro «Monsieur Klein», a par dos esforços para justificar a sua posição em face das autoridades, precipitam-no numa espiral de acontecimentos que o levarão a sofrer o mesmo destino trágico de tantos milhares de franceses. O argumento é atribuído a Franco Solinas e Fernando Morandi, mas nele trabalharam também Costa-Gavras e o próprio Losey. É interessante constatar como um argumento a tantas mãos, e que conheceu várias versões, resultou tão coerente e eficaz, mesmo quando aparenta perder-se em linhas narrativas secundárias que reflectem eficazmente as tentativas tortuosas e obsessivas de Klein para alcançar a verdade. A mensagem principal de Monsieur Klein é clara: uma crítica contundente dirigida àqueles que ignoram ou se aproveitam da perseguição de que os outros são vítimas. Essa atitude, além de moralmente indefensável, vira-se frequentemente contra quem a assume, até porque o desenho da linha que divide os perseguidos dos que são poupados implica sempre um fundo de arbitrariedade. O filme mostra bem como, além de ser profundamente iníqua, a perseguição aos judeus era absurda porque se baseava em critérios étnicos empíricos e pouco científicos que faziam com que o destino de qualquer pessoa ficasse à mercê de um punhado de índices antropométricos ou de uma certidão de baptismo de um antepassado. Pode ainda argumentar-se que Klein sofre de uma pulsão autopunitiva: a maneira como se expõe às autoridades, a sua propensão para correr riscos na perseguição ao seu homónimo, a pressa com que se junta à multidão a caminho da deportação, ignorando a intervenção providencial do amigo que traz os documentos que o podem salvar, sugerem um desejo de aniquilação, ou de fusão com o seu duplo, de que resultará o desaparecimento de ambos, fazendo notar que quando desvalorizamos a humanidade de alguém aniquilamos também a nossa. Monsieur Klein é um filme que tem muitos pontos comuns com algumas das obras de Losey mais conhecidas dos anos 60, nomeadamente as que contam com a colaboração de Harold Pinter. O humor britânico e a mordacidade estão ausentes, mas mantém-se a coexistência de uma acção realista e de episódios desconcertantes e quase kafkianos que podem ser uma projecção da imaginação ou das pulsões da personagem principal. Outra característica comum é a maneira como o argumento inteligente e meticuloso é servido admiravelmente por uma realização formalmente ousada mas perfeitamente controlada, o que pode ajudar a perceber por que razão os filmes de Losey se mantêm actuais e continuam a ser apreciados. A concretização pictórica bem-sucedida de ideias narrativas nunca passará de moda e sobreviverá aos anos e às tendências.
Outros filmes de Joseph Losey no Cinéfilo Preguiçoso: Eva - Director's Cut (1962), O Criado (1963), Acidente (1967).