Em 2022, mais precisamente no dia 18 de Novembro, comemora-se o centenário da morte de Marcel Proust. O Cinéfilo Preguiçoso é um grande fã de Proust e tem pensado em ver filmes relacionados directa ou clandestinamente com este escritor. Esta semana viu A Paixão de Swann (1984) em DVD. Até Volker Schlöndorff realizar este filme, a história da relação de Proust com o cinema incluiu algumas tentativas falhadas de adaptação da Recherche, por cineastas como René Clément, François Truffaut, Luchino Visconti, Joseph Losey ou Peter Brook. Antes de A Paixão de Swann, Schlöndorff já tinha realizado várias adaptações de obras literárias (entre as quais, em 1966, O Jovem Törless, a partir de Musil, e, em 1979, O Tambor, a partir de Günter Grass), portanto não é um novato nesta área. A decisão que lhe permitiu concretizar aquilo com que outros tinham apenas sonhado foi de carácter prático: perante uma obra de vários volumes e com mais de duzentas personagens, trabalhando com os argumentistas Jean-Claude Carrière e Marie-Hélène Estienne a partir de uma ideia inicial de Peter Brook, concentrou-se em Charles Swann, um dos protagonistas dos dois primeiros volumes – em particular na estranha relação deste esteta e coleccionador judeu com a cortesã Odette de Crécy. Mais do que isso, dentro da história de Swann e Odette, Schlöndorff optou por filmar um dia em que há um ponto de viragem na relação, a partir do qual faz vários flashbacks e um flashforward final, com que o filme termina, poucos meses antes da morte de Swann. A relação entre Swann (Jeremy Irons) e Odette (Ornella Muti) é uma escolha inteligente, por ser um dos elementos mais importantes da Recherche, funcionando ao longo do romance, por aproximações e afastamentos, como uma espécie de “auxiliar de leitura” não só das outras relações amorosas, mas também da atitude do próprio narrador relativamente à arte e à vida. Esta relação parece começar por iniciativa de Odette, que seduz Swann, até ao momento em que percebe que o conquistará totalmente negando-se a ele. No dia que acompanhamos neste filme, Swann, vencido pelo desejo e pelo ciúme, resigna-se a percorrer os restaurantes e as festas da cidade em busca de Odette, que, apesar de se cruzar com ele em vários momentos, continua a fugir-lhe. Esta é a noite em que Swann percebe que só terá descanso se, escandalizando a alta sociedade em que se move e deitando a perder o seu prestígio social, se casar com esta mulher que tantos tiveram por dinheiro e que “nem sequer faz o género dele”. O facto de no filme termos acesso principalmente às humilhações e aos actos irracionais, desesperados e às vezes violentos do protagonista priva-nos das reflexões e sugestões de Proust sobre os trâmites do desejo. Por esse motivo, é possível que quem veja só este filme, sem conhecer a Recherche, encontre nele apenas uma história de amor algo intrigante. Ainda assim, A Paixão de Swann é um filme visualmente interessante, graças ao trabalho de Sven Nykvist como director de fotografia e também por efectuar uma cuidada reconstituição histórica de Paris no século XIX. Além de Irons e Muti, o elenco inclui actores como Alain Delon, Fanny Ardant ou Marie-Christine Barrault, mas a quem não é dada grande oportunidade de desenvolverem personagens com profundidade. Em 1994, Raúl Ruiz realizou aquela que é conhecida como a segunda adaptação da Recherche, em O Tempo Reencontrado. O filme de Ruiz é considerado por muitos mais fiel ao espírito proustiano do que o de Schlöndorff, mas talvez seja menos conseguido do que A Paixão de Swann, que é mais coerente e equilibrado por não ter a ambição de reflectir a complexidade estrutural e temática da Recherche. E note-se que, por muito falhados que os filmes de Clément, Truffaut, Visconti, Losey ou Peter Brook tivessem sido, o Cinéfilo Preguiçoso teria, mesmo assim, gostado de os ver.