5 de maio de 2024

Challengers

Em entrevistas, Luca Guadagnino, realizador de Challengers (2024), tem explicado que não costuma ver partidas de ténis na televisão porque as acha entediantes. Ao mesmo tempo, Justin Kuritzkes, argumentista do filme, não se descreve como verdadeiro aficionado deste desporto. Um dia, porém, enquanto assistia a um famoso jogo de 2018 entre Naomi Osaka e Serena Williams em que a segunda foi penalizada por receber instruções do treinador, Kuritzkes deu por si a pensar não só em tudo o que, para lá do ténis e sem o público saber, poderia estar em jogo entre as duas adversárias, mas também nas formas de explorar uma situação semelhante no cinema. Challengers começa com uma partida de ténis entre Art (Mike Faist) e Patrick (Josh O’Connor). Ao longo do filme, este desafio é articulado com flashbacks que revelam gradualmente a relação entre estes dois jogadores, afinal amigos de longa data, e um terceiro elemento (Tashi/Zendaya), que assiste ao jogo na bancada. Através da lente do ténis, esta relação é vista e filmada como um jogo, acompanhado por uma banda sonora (composta por Trent Reznor e Atticus Ross) que acentua a vertente deliberadamente esquemática e técnica de Challengers. É um filme sobre forças em confronto – Guadagnino diz que a energia, a fúria e a dinâmica de A Cor do Dinheiro (1986) e Life Lessons (1989, integrado em Histórias de Nova Iorque), de Martin Scorsese, foram influências. Não surpreenderia se tivesse citado outro Scorsese: Touro Enraivecido (1980), obra-prima sobre um pugilista, realizada por um cineasta que não se interessava por boxe. Num filme menos intenso e mais convencional, o argumento prestaria atenção à vida familiar e aos antecedentes das personagens, mas aqui esses aspectos são abordados de passagem. Os protagonistas só se interessam por ténis e não falam sobre mais nada – a ponto de pensarem que falam sobre ténis quando, na verdade, estão a falar sobre outros assuntos, e de não se perceber quando estão ou não a jogar, se é que alguma vez deixam de o fazer. Ainda assim, apesar de as personagens parecerem não ter vida para lá do desporto que praticam, Challengers podia ser sobre personagens com o mesmo interesse obsessivo por outra actividade qualquer, na medida em que é uma história sobre a paixão que alguns de nós têm por aquilo que fazem, sobre as dificuldades de manter viva essa paixão, e também sobre as dinâmicas entre as pessoas que se dedicam à mesma actividade com energia equivalente. A relação triangular do filme é decisiva para a noção de jogo constante. (Claro que já muita gente chamou a atenção para o facto de o argumentista do filme ser casado com Celine Song, realizadora de Vidas Passadas, um filme em que também há um triângulo amoroso.) Em Challengers, no entanto, o triângulo torna-se particularmente significativo porque nunca se esclarece qual é a relação mais importante. Não é certo que o interesse que as personagens masculinas (ambas, à sua maneira, manipuladoras) partilham pela personagem feminina seja o mais forte. Em muitos momentos, suspeitamos que a relação entre Patrick e Art (fogo e gelo, como a dada altura são descritos) é o factor que domina e dá vida aos outros. Numa entrevista, Guadagnino descreve os actores, em geral, como «maquinazinhas de vaidade que se tornam tanto mais interessantes quanto mais tentam resistir a essa vaidade» e esta descrição assenta na perfeição a O’Connor e Faist, intérpretes que brilham por acrescentarem uma dimensão subtil de introversão a estas personagens. Na verdade, contudo, todos os elementos deste filme supostamente despretensioso se combinam com máxima eficiência para produzir um resultado que cada vez parece mais difícil de encontrar: um filme simultaneamente inteligente e divertido. Desde A Rede Social (David Fincher, 2010) que o Cinéfilo Preguiçoso não se divertia tanto no cinema.

Outros filmes de Luca Guadagnino no Cinéfilo Preguiçoso: The Staggering Girl (2019) Mergulho Profundo (2015); Chama-me pelo Teu Nome (2017); Suspiria (2018).