14 de julho de 2024

Detour

Entre muitos outros, David Lynch e Joel e Ethan Coen são fãs de Detour (Edgar G. Ulmer, 1945), o filme que o Cinéfilo Preguiçoso viu esta semana (no Filmin). Percebe-se bem de que modo pode ter sido inspirador para estes realizadores. Encontramos ecos, por exemplo, em Estrada Perdida (1997), de Lynch, ou nos filmes dos irmãos Coen em torno de criminosos amadores, indecisos e desastrados. Baseado num romance de Martin Goldsmith (1939), Detour acompanha o percurso de Al Roberts (Tom Neal), um pianista clássico frustrado que decide abandonar o emprego num clube nocturno em Nova Iorque e viajar à boleia até Los Angeles, com o objectivo de se casar com uma namorada relutante que se mudou para lá. Durante esta viagem, confronta-se com vários acasos e coincidências e toma uma série de decisões irracionais: para não ser acusado da morte (por causas naturais) do homem que lhe deu boleia, incorre em ocultação de cadáver, roubo de identidade e, mais tarde, homicídio involuntário. É como se Al Roberts sentisse uma culpa intrínseca pela qual deseja a punição. A história é narrada em voz-off pelo protagonista, num tom simultaneamente grandiloquente, comezinho e magoado, a partir de uma série de flashbacks desencadeados por uma canção («I Can’t Believe That You’re in Love with Me») que alguém põe a tocar na jukebox de um restaurante de estrada e que a noiva costumava cantar. Não podemos considerar Al Roberts um narrador totalmente fiável, mas estes acontecimentos, ainda assim, fazem sentido dentro da lógica dos pesadelos, concretizando a ideia de que o destino vence sempre. (Ironicamente, o actor escolhido para representar o papel principal foi mais tarde condenado por homicídio involuntário da sua terceira mulher, o que de certo modo parece reforçar toda a lógica do filme.) Edgar G. Ulmer, que trabalhou como assistente de Murnau, faz a ponte entre o expressionismo alemão e o film noir americano, intensificando as luzes e as sombras e explorando ângulos de câmara inesperados. Detour é um filme desconcertante até ao fim: ficamos sem certezas sobre a última cena. Tratar-se-á de uma prolepse que mostra o momento em que o protagonista será finalmente apanhado pela polícia, apesar de tudo indicar que mais um acaso o ilibou dos crimes em que está envolvido? Ou não passará de outra boleia, oferecida por um agente da polícia, sem ter reconhecido a sua identidade? Todas estas características inusitadas contribuem para que um filme de baixo orçamento se tenha tornado um clássico do cinema americano que ainda hoje vemos com interesse e perplexidade.