Visto esta semana na Netflix, The Wonderful Story of Henry Sugar and Three More (2024) é a segunda incursão de Wes Anderson no universo ficcional do autor britânico Roald Dahl, depois do filme de animação Fantastic Mr. Fox (2009). Apesar de não ter visto nem este último nem Isle of Dogs (2018), a outra longa-metragem de animação de Anderson, o Cinéfilo Preguiçoso adivinha uma proximidade estética muito pronunciada entre estes e The Wonderful Story... : os movimentos dos actores de carne e osso, muito artificiais e sincopados, parecem programados por uma intenção de emular a técnica stop-motion. O artificialismo da representação a que os espectadores dos filmes de Anderson há muito se habituaram atinge aqui um extremo: mais do que representar, os actores funcionam como narradores dentro da narrativa, alternando constantemente as suas falas com explicações dirigidas à quarta parede, sempre com dicção impecável e ausência total de inflexões dramáticas. É interessante notar como o excelente elenco (Ralph Fiennes, Benedict Cumberbatch, Dev Patel, Ben Kingsley, Richard Ayoade e Rupert Friend) assimilou o estilo de Anderson com um zelo impecável, digno de colaboradores de longa data, aqui ausentes, como Owen Wilson ou Jason Schwartzman. O filme é constituído por quatro curtas-metragens inspiradas noutros tantos contos de Dahl, sendo a primeira mais longa e complexa e as três seguintes mais breves e anedóticas. As histórias, aparentemente infantis e com conteúdos variáveis de disparate e perversidade em equilíbrio precário, são típicas de Dahl. O terceiro episódio, The Ratcatcher, talvez seja o exemplo mais evidente destas pulsões contraditórias, pois nele coexistem alguns momentos de mau gosto macabro e o final mais absurdo e deliberadamente inconsequente de todos. Como em todos os filmes de Anderson, ou talvez até um bocadinho mais do que noutros, o espectador de The Wonderful Story of Henry Sugar and Three More sente-se numa daquelas visitas guiadas tão frequentes na obra do realizador, entre cenários que sobem e descem por meio de roldanas, adereços aparentemente retro mas que não pertencem a nenhuma altura da história, movimentos de câmara súbitos e deliberados a que só falta o chiar das rodas sobre os carris montados no cenário, e assistentes que entram no plano para entregar um objecto ao actor. A respeito de Asteroid City (2023), escrevemos sobre a capacidade que este realizador tem de “controlar todos os pormenores do filme sem o tornar monotonamente sufocante, nem demasiado cerebral”, o que também se aplica nestas quatro curta-metragens, embora a alternância constante entre narração e acção se torne, por momentos, cansativa e exija um esforço adicional por parte do espectador para seguir a história, um esforço que poderia ser mais bem empregado a prestar atenção a outros aspectos do filme. Nesta altura da carreira, é duvidoso que Anderson venha a modificar de forma drástica o seu estilo. Vai ser muito interessante ir vendo como conseguirá continuar a trabalhar dentro deste registo e que estratégias e opções adoptará para evitar que este estilo se esclerose ou derive para uma autocaricatura estéril.
Outros
filmes de Wes Anderson no Cinéfilo Preguiçoso: The Royal Tenenbaums (2001), Crónicas de França (2021), Asteroid City (2023).