O Passado e o Presente, filme de 1971 cuja reposição recente
pela RTP2 merece todos os louvores, pode ser encarado como o primeiro da
carreira regular de Manoel de Oliveira e como o ponto final nos longos hiatos
que marcaram as quatro décadas iniciais da sua carreira. Não parece, pois,
descabido olhar para este filme como a primeira obra de um realizador de 62
anos, na qual coexistem a ousadia, uma desenvoltura juvenil e a experiência que
só a acumulação de anos, vida, frustrações, filmes vistos e livros lidos pode
trazer. Nesta adaptação de uma peça de Vicente Sanches centrada na obsessão
pelos maridos defuntos da personagem principal (Maria de Saisset), as leituras
sociológicas ou psicológicas que o espectador possa ser tentado a esboçar pesarão
sempre pouco quando comparadas com a sublime evidência de um puro objecto de
cinema formalmente rico e desconcertante, em que os temas do casamento e do
duplo são explorados através das relações dos diversos casais. Entre os
actores, destaque-se a estreia cinematográfica da grande Manuela de Freitas e a
presença de João Bénard da Costa (aliás Duarte de Almeida), que por sinal está
longe de ser dos mais inábeis. Seria injusto esquecer o trabalho de Acácio de
Almeida na direcção de fotografia.