14 de fevereiro de 2016

Andrei Rublev



No filme Andrei Rublev (1966), retratando um período turbulento da história da Rússia que culmina nas invasões tártaras, Tarkovsky oscila entre o épico, o histórico e o cósmico, e o individual, o mínimo e o circunstancial. Por um lado, temos uma produção gigantesca e complexa, com um número impressionante de figurantes e de diferentes focos de atenção em cada plano meticuloso. Por outro lado, somos surpreendidos pela atenção que o realizador presta a pormenores ínfimos, como formigas junto a raízes de árvores, um floco de neve, uma folha de árvore, as tropelias de uma criança, um cão. De certo modo, o filme lembra os quadros de Bruegel, em que diversos pormenores mínimos e circunstanciais são enquadrados num acontecimento histórico que afecta uma multidão, sem no entanto perderem a individualidade que os distingue. Pelo caos da História avança o pintor de ícones Andrei Rublev (c. 1360-1430), tentando perceber quem é como pessoa e como artista. Ao longo do tempo, vemo-lo  sucessivamente como monge errante, juntamente com Daniil e Kirill, em busca de trabalho; como aprendiz de Teófanes; intrigado por celebrações pagãs; debatendo-se com a dificuldade de representar o juízo final numa catedral; e testemunhando a destruição causada pelos tártaros em 1408. Mergulhado numa crise espiritual e artística, Andrei regressa ao convento de que partira no início do filme, fazendo um voto de silêncio e recusando-se a voltar a pintar. O episódio final do filme é, sem dúvida, o mais belo e o mais comovente. Perante o exemplo de um jovem sineiro que dirige centenas de pessoas quando tenta pela primeira vez fabricar um sino sem ter conhecimentos nem experiência para tal, Andrei quebra o silêncio e decide voltar a pintar. O som do sino, ecoando contra todas as expectativas, como que marca o final de um percurso onde couberam a dúvida, a penitência e a descoberta do amor pelas pessoas e coisas terrenas, e liberta o pintor para realizar a sua vocação. O paralelismo entre o jovem sineiro e o próprio Tarkovsky, que aos 34 anos realizava apenas a sua segunda longa-metragem e procurava dominar uma produção de dimensões gigantescas, é transparente mas nem por isso menos eficaz. A obra integral de Tarkovsky estará em exibição no cinema Nimas até 16 de Março.