A semana
passada foi marcada pela morte de Jacques Rivette. O Cinéfilo Preguiçoso
promete assinalar este desaparecimento com referências à obra rivettiana, se se
achar em condições de o fazer sem resvalar para a homenagem sentimental nem
para a banalidade biográfica.
Sem ser
uma obra-prima inesquecível, Spotlight,
de Tom McCarthy (2015) é interessante por vários motivos. Apesar de girar em
torno do caso do escândalo dos abusos sexuais da Igreja católica, descoberto na
diocese de Boston em 2002, este filme sóbrio não procede a qualquer exploração emocional
excessiva da experiência das vítimas. Em vez disso, privilegia, por um lado,
todo o trabalho de investigação que permitiu a denúncia deste escândalo e, por
outro, a vertente mais colectiva e geral do problema. Os fãs de filmes sobre
processos de investigação, como All the
President’s Men/Os Homens do Presidente (Alan J. Pakula, 1976) ou Zodiac (David Fincher, 2007), com que Spotlight, aliás, partilha o actor Mark
Ruffalo, são brindados com imagens de arquivos mal iluminados, papelada
empilhada, telefonemas, entrevistas, pistas só tardiamente compreendidas,
pressões, resistências, discussões, contrariedades burocráticas, atrasos, reconsiderações
e revelações. Contudo, talvez a característica mais marcante de Spotlight seja chamar a atenção para a
responsabilidade geral perante qualquer forma de mal que se silencia ou se
deixa passar. No filme Hannah Arendt,
sobre o qual escrevemos há duas semanas, a partir do nazismo reflectia-se sobre
a facilidade com que se cede ao mal, destruindo os outros por omissão, por
falta de atenção, ou por fracasso de pensamento (o conceito arendtiano de
“banalidade do mal”). Em Spotlight
reforça-se a ideia de que, assumindo uma vertente colectiva, o mal se
naturaliza, parecendo insignificante; como observa o advogado Mitchell
Garabedian (Stanley Tucci), “If it takes a village to raise a child, it takes a
village to abuse one”. Outro dos méritos deste filme é mostrar como os heróis
deste caso são afinal indivíduos relativamente obscuros, desvalorizados pelos
naturais de Boston como excêntricos, forasteiros e estranhos, mas que, como
Garabedian ou o editor Marty Baron (Liev Schreiber), têm o distanciamento
necessário para lutarem pela justiça, sem ambicionarem qualquer tipo de
reconhecimento por isso. De notar ainda que a banda sonora original, de Howard
Shore, é excelente.