Andrei
Tarkovsky escreveu o argumento de Nostalgia
(1983) com Tonino Guerra, contando a história da passagem do escritor russo
Andrei Gorchakov (Oleg Yankovsky) por Itália, com o objectivo de investigar a
vida do compositor Pavel Sosnovsky (séc. XVIII), acompanhado pela guia Eugenia
(Domiziana Giordano). O espaço principal de Nostalgia
situa-se na Toscânia, mais especificamente em Bagno Vignoni, uma povoação entre
Siena e o lago Bolsena. Contudo, muitos elementos do filme, como a catedral com
o fresco de Piero della Francesca ou a casa de Domenico, o louco (o maravilhoso
Erland Josephson, nosso conhecido dos filmes de Ingmar Bergman), fundem
interiores e exteriores de espaços diferentes. O sentido da palavra «nostalgia»
é esclarecido logo no início do filme, quando Eugenia refere uma notícia do
jornal sobre uma empregada doméstica que pegou fogo à casa onde trabalhava para
destruir aquilo que a impedia de voltar à sua terra natal. Uma grande parcela
da estranheza que este filme suscita relaciona-se com a ambivalência desta
nostalgia: Gorchakov sente falta da Rússia, mas ao mesmo tempo a beleza de
Itália, simbolizada pela desejável Eugenia, impede-o de voltar. A ambivalência
é bem visível em certos planos de Tarkovsky que inicialmente parecem decorativos,
mas transmitem um desconforto que incomoda, como acontece na morada de
Domenico, uma espécie de anticasa em ruínas, invadida por água por todos os
lados, em que um pastor-alemão procura mansamente um lugar seco onde possa
repousar. Tal como Domenico, que fechou a família em casa durante sete anos
para a proteger do fim do mundo, também Gorchakov deixou a família num lugar de
onde esta não pode sair, sendo acossado pelas memórias destas pessoas e dos
espaços onde ficaram. O momento mais impressionante do filme não é a
auto-imolação de Domenico, mas sim, perto do fim, a longa sequência das
diversas tentativas de Gorchakov para atravessar a água com uma vela acesa, de
modo a cumprir uma promessa feita ao louco. Apesar de tentar três vezes realizar
esta tarefa aparentemente tão gratuita e insignificante, tendo de voltar ao
princípio sempre que a vela se apaga, Gortchakov cumpre a promessa. A fé, tema
central de toda a obra de Tarkovsky, é aqui tratada como um assunto pessoal,
quase acidental e despido de transcendência – mas a intensidade é a mesma de
filmes com ambições metafísicas como Andrei Rublev (1966) ou Stalker (1979).