Numa semana muito triste por causa da morte de Abbas Kiarostami
(1940-2016), o Cinéfilo Preguiçoso viu em DVD o documentário Finding Vivian Maier, realizado por John
Maloof e Charlie Siskel (2013) depois da descoberta num leilão de uma caixa de
negativos de uma extraordinária fotógrafa até então totalmente desconhecida. O documentário assume uma abordagem
detectivesca, através da qual o próprio John Maloof, que comprou a caixa com a
intenção vaga de usar algumas fotografias num livro sobre a história de um
bairro de Chicago, descreve o percurso que seguiu a partir do momento em que
percebeu o valor artístico da descoberta. Para tentar conhecer a autora das
fotografias, Maloof explorou exaustivamente todos os objectos pessoais que
conseguiu reunir contactando as pessoas para quem ela tinha trabalhado como ama. Esta estrutura aparentemente convencional, baseada em entrevistas
cuidadosamente montadas para permitir a revelação gradual dos vários aspectos
da personalidade e biografia de Vivian Maier, garante-nos acesso à obra que vai sendo mostrada,
às dúvidas e perplexidades, bem ou mal resolvidas pela investigação, de Maloof,
assim como aos testemunhos daqueles que conheceram a artista. Contudo, talvez uma
das características mais interessantes do documentário resida na exposição das
lacunas da investigação, que nunca assegura uma compreensão abrangente e
satisfatória da figura investigada. Ironicamente, os depoimentos incluídos
revelam mais sobre quem fala do que sobre o assunto da conversa. Nenhuma das pessoas que a conheceram e que com ela viveram – mais
ou menos fluentes, mais ou menos estranhas, mais ou menos paranóicas ou
indiferentes e desatentas – se interessou o suficiente por Vivian Maier para se
dar conta do valor da obra e da artista, descrita quase sempre apenas como uma
acumuladora de objectos excêntrica e reservada, dotada de arestas que não lhe
permitiam encaixar em lugar algum durante muito tempo. Curiosamente, só nos
depoimentos de fotógrafos e críticos a propósito das fotografias de alguém que
nunca conheceram pessoalmente alcançamos um visão mais completa de como Vivian
Maier pode ter sido: a liberdade, o sentido de humor e de oportunidade, o
espírito curioso, a sede de informação. Além de ser um documentário sobre uma
fotógrafa prodigiosa, tão embrenhada nesta actividade que nunca divulgou o
próprio trabalho, além de desencadear alguma reflexão sobre os mecanismos de
consagração artística, Finding Vivian
Maier é um filme sobre o mistério que cada um de nós representa para os
outros. «Como conhecer alguém?» é uma das perguntas essenciais que coloca.