3 de julho de 2016

Amor e Amizade


Amor e Amizade (2016), a quinta longa-metragem realizada por Whit Stillman (cuja passagem pelo IndieLisboa de 2015 foi aqui devidamente assinalada), é a adaptação de uma obra pouco conhecida de Jane Austen (o romance epistolar Lady Susan) e representa uma ruptura com os cenários urbanos e contemporâneos a que este realizador nos habituara. Quando isto acontece, a tentativa de procurar pontos comuns e continuidades de tema ou de estilo com a obra anterior do autor apresenta-se como um exercício quase inevitável, embora de interesse duvidoso. Não é difícil encontrar esses pontos comuns no caso de Stillman: a predominância de diálogos saturados de segundos sentidos — instrumento de revelação da verdade mas sobretudo de manipulação —, a importância do estatuto social, o gosto por personagens obstinadas e um tanto excêntricas (sendo particularmente memoráveis as desempenhadas pelo fabuloso Chris Eigeman nos três primeiros filmes de Stillman) ou a presença das actrizes Kate Beckinsale e Chloë Sevigny, nos papéis da protagonista Lady Susan Vernon e da sua confidente americana. Para além da coerência temática ou falta dela, Amor e Amizade é um filme que faz plena justiça ao humor de Jane Austen e que gere de forma sagaz as clivagens entre aquilo que é dito e aquilo que é mostrado. O efeito cómico é potenciado pela forma como Stillman adopta as regras do filme de época (reconstituição histórica cuidada, montagem clássica, ausência de efusões estilísticas) sem abdicar de um olhar moderno e satírico sobre os costumes sociais da Inglaterra do século XVIII, onde a manipulação e a conspiração, quase sempre em torno do casamento, eram muitas vezes mais uma necessidade absoluta do que uma opção. Acrescente-se, a título de curiosidade, que está anunciada a publicação de uma versão do romance de Austen reescrita pelo próprio Stillman, que aliás já fizera o mesmo relativamente ao seu próprio argumento do filme The Last Days of Disco (1998). Ninguém que tenha visto pelo menos um filme dele ficará surpreendido com este prolongamento literário da sua actividade de realizador.