17 de julho de 2016

Trespassing Bergman


O calor potencia a preguiça, por isso o Cinéfilo escreve esta semana sobre um filme visto na comodidade do lar, na RTP2. Trespassing Bergman, documentário de 2013, realizado por Jane Magnusson e Hynek Pallas (e exibido na edição de 2014 do IndieLisboa), arranca com um dispositivo vagamente metaficcional: vários realizadores e actores famosos chegam, por diversos meios (a pé, de automóvel, de helicóptero) à casa de Ingmar Bergman na ilha de Fårö; entram, vagueiam pelas divisões e vão emitindo comentários («parece o muro de Berlim», afirma Tomas Alfredson, realizador do bastante estimável Tinker Tailor Soldier Spy). Esta ideia de mostrar os admiradores do mestre sueco como invasores, entre a reverência e o fetichismo, nunca é explorada com grande convicção e o filme acaba por se assemelhar a tantos outros, recorrendo abundantemente ao esquema clássico de depoimentos filmados, intercalados com imagens de arquivo e excertos de filmes. Como seria quase inevitável, o interesse do filme varia de forma evidente de acordo com os entrevistados. Há depoimentos genuinamente interessantes (Scorsese, Zhang Yimou, Michael Haneke, Woody Allen…), superficiais (John Landis, González Iñárritu, Wes Anderson) e delirantes (Lars von Trier – who else? – em roda livre). Há ainda reacções e momentos inesperados, como o ataque de pânico de Claire Denis, que a obriga a abandonar a casa abruptamente, ou a descoberta de uma cassete VHS do filme A Pianista, de Haneke, em cuja lombada o próprio realizador vê quatro estrelas, presumivelmente uma apreciação crítica positiva deixada pela mão de Bergman. Em jeito de balanço final, Trespassing Bergman é um filme sem muito para dar em termos de ideias de cinema, algo conformista na estrutura e que pouco ou nada revela sobre Bergman que não se soubesse já. No entanto, tem o apreciável mérito de levar um grupo muito significativo de cineastas e actores (além dos já mencionados, Francis Coppola, Ridley Scott, Takeshi Kitano, Alexander Payne, Robert De Niro, Holly Hunter, Laura Dern, Isabella Rossellini, entre outros) a revelar um pouco mais sobre si e sobre a maneira como entendem a prática de fazer cinema, através da relação que estabeleceram, ao longo das décadas, com a obra de Bergman. Por exemplo, a maneira cândida e comovida como Ang Lee conta o primeiro visionamento de A Fonte da Virgem, num Taiwan conservador e fechado, faz valer a pena, só por si, o visionamento deste documentário.