22 de abril de 2018

England Is Mine – Descobrir Morrissey


O filme England Is Mine – Descobrir Morrissey (2017, realização de Mark Gill), visto no videoclube de uma operadora de telecomunicações, mostra os anos da adolescência tardia de Steven Morrissey antes de este alcançar fama mundial como vocalista e letrista dos Smiths. Por outras palavras, estamos no final dos anos setenta, em Manchester, uma época que, segundo os cânones do cinema realista, deveria ser retratada por meio de cenários lúgubres e grandes doses de agitação sociopolítica. Em vez disso, a narrativa concentra-se na personagem principal: em sintonia com o egocentrismo do retratado, o filme exclui tudo o que não diz respeito aos problemas do jovem Steven, às suas frustrações e inseguranças, bem como à sua incapacidade de convencer o mundo do seu génio. Não se pode dizer que a abordagem brilhe pela originalidade: Morrissey é-nos apresentado sucessivamente como depressivo, hipersensível, erudito e inadaptado, sugerindo alguma hesitação da parte dos argumentistas (William Thacker e o próprio Gill) sobre a maneira de fazer justiça a uma personalidade tão complexa. As cenas passadas na repartição de finanças onde Morrissey trabalhou são relativamente bem conseguidas, mas remetem automaticamente para uma miríade de outros filmes e livros mais ou menos biográficos sobre a oposição entre o génio e a burocracia (Pessoa, Kafka…). As cenas que mais se destacam pela positiva, ambas notáveis pela sobriedade e simplicidade de meios, são a do encontro com Johnny Marr que deu origem aos Smiths e a do concerto com a banda The Nosebleeds, em que Morrissey interpreta o êxito das maravilhosas Shangri-Las “Give Him a Great Big Kiss”. Além da sua intensidade, esta cena, a única de todo o filme em que Morrissey é mostrado a cantar, revela o carinho que ele sentia pelas vocalistas e girl groups dos anos sessenta, o que aliás a excelente banda sonora também deixa transparecer. England Is Mine – Descobrir Morrissey não consegue trazer para o ecrã toda a complexidade e riqueza do retratado, nem certamente convencer por completo a exigente legião de fãs deste (duas missões impossíveis), mas cumpre o objectivo de estimular o interesse do espectador pelo processo que levou Steven Morrissey a tornar-se “Morrissey”, cumprindo a máxima “sê tu mesmo”, que aqui transcende o estatuto de cliché e adquire a natureza não só de imperativo ético, mas também de único caminho para a sobrevivência.