15 de abril de 2018

Shirley: Visions of Reality


No filme Shirley: Visions of Reality (2013), visto em DVD, o realizador e autor dos textos Gustav Deutsch reconstitui treze quadros do artista americano Edward Hopper. Deutsch impõe uma linha narrativa às imagens que vai trabalhando, imaginando que as figuras femininas destes quadros entre os anos 1930 e 1960 são sempre a mesma mulher, uma actriz que reflecte, em monólogo interior, não só sobre a sua própria vida privada mas também sobre o contexto histórico em que se situa, abrangendo temas como a Grande Depressão americana, a Segunda Guerra Mundial, a luta de Martin Luther King, ou a «caça às bruxas» nos Estados Unidos. Visto que os quadros de Hopper deixam uma impressão de intemporalidade ou de suspensão do tempo, tanto a orientação narrativa deste filme como a sua articulação com a História são surpresas que causam algum estranhamento, nem sempre bem conseguido. Nos piores momentos, Shirley parece demasiado conceptual, sobretudo devido à vertente histórica em que certos monólogos insistem de modo um pouco forçado. Nos melhores momentos, no entanto, imagina um antes e depois credíveis e enriquecedores para imagens que todos conhecemos. Já muito se falou da ligação de Hopper com o cinema. Sem esquecer esta ligação, Deutsch, em dois belíssimos momentos, explora dois quadros relacionadas com o tema: New York Movie (1939) e o menos conhecido, mas notável, Intermission (1963). Não só o próprio Hopper confessou que resolvia as situações de bloqueio criativo passando uma semana a ver filmes no cinema, como vários realizadores, por exemplo Wim Wenders, Terrence Malick e o próprio Hitchcock, se inspiraram na sua obra. É inevitável que estas apropriações continuem. Na televisão, a série Mad Men cultivou uma estética claramente hopperiana. Recentemente, até na décima primeira temporada, de qualidade muito irregular, da série Ficheiros Secretos tivemos a surpresa de ver um excelente episódio, quase sem diálogos, com referências hopperianas explícitas que mostram a complexidade da obra do artista e o modo como esta aponta para o futuro. O filme de Gustav Deutsch insere-se nesta genealogia que continua a dar a ver novas dimensões de imagens que parecem tão simples e familiares mas sugerem e anunciam ideias diferentes e por vezes inesperadas e contraditórias.