9 de setembro de 2018

Blow Out


É quase impossível falar de um filme de Brian De Palma sem referir influências. No caso de Blow Out (1981, visto esta semana em DVD), além de Blow-up (1966), de Antonioni, de que é quase um remake, e das óbvias referências a Hitchcock (que aliás povoam toda a filmografia de De Palma), pode citar-se o magnífico The Conversation (1974), de Coppola, bem como a riquíssima tradição de filmes policiais de série B. Os actores, com a possível excepção de John Travolta (igual a si mesmo), adoptam um tom distanciado e exagerado, como se mais interessados em encarnar personagens típicas do film noir do que personagens dos anos oitenta. No argumento, com um técnico de som como protagonista, notam-se ainda ecos do caso Watergate e do escândalo de Chappaquidick, que marcou para sempre a carreira do senador Ted Kennedy: Jack Terry (Travolta) testemunha um acidente de automóvel onde morre um político famoso, captando por acaso o som deste acontecimento, e convence-se de que se tratou de homicídio. O que é notável, neste como noutros filmes de De Palma, é a maneira como este cineasta assume as influências de forma explícita, frequentemente ao nível do pastiche, sem por isso deixar de produzir uma obra original, poderosa e pessoal. O filme funciona em mais do que um nível: além de ser um thriller político filmado com dinamismo e competência, e de explorar aspectos técnicos com uma inteligência rara (as cenas que mostram Jack a gravar, reproduzir e sincronizar os sons são extraordinárias), Blow Out pode ser visto como uma reflexão sobre a capacidade de aceder à verdade dos factos, a posteriori, através da manipulação e harmonização de registos audiovisuais – ou seja, enquanto reflexão sobre o cinema. O espectador é livre de navegar entre estes diversos patamares. Acima de tudo, Blow Out, que pode ser visto como uma charneira entre a fase mais livre, inventiva e delirante da filmografia de De Palma e um período mais alinhado com os cânones de Hollywood (a partir de Scarface, de 1983), é, como aliás é comum aos filmes mais interessantes deste realizador, o retrato de uma obsessão, neste caso a obsessão por convencer o mundo de uma verdade incómoda. O facto de a versão de Jack ser a que corresponde à realidade não torna a sua obsessão menos doentia e perturbadora, e essa é mais uma das façanhas deste filme.