Apesar
de já estarmos perto do fim de Setembro, o panorama de estreias continua pouco
inspirador. Felizmente, na Double Bill deste sábado, a Cinemateca passou um
filme de Frank Borzage que o Cinéfilo Preguiçoso ainda não tinha visto: Moonrise/Consciência em Paz (1948),
considerado a sua última grande obra no cinema sonoro. Quem já viu alguns
filmes mudos deste realizador, como Lucky
Star, Liliom, 7th Heaven ou Street Angel, todos eles delicadíssimos, quase oníricos, talvez não
espere uma atmosfera tão sombria como a deste filme. Moonrise é um filme sobre a culpa e heranças difíceis. Uma grande
parte decorre sob a lógica do pesadelo, para a qual contribuem os raccords e o carácter inesperado de
certos planos, alguns dos quais evocam a herança do mudo e do expressionismo
alemão. Danny Hawkins (Dane Clark), o protagonista, vai agindo irracionalmente
em cenários estranhos e inquietantes – um pântano, um parque de diversões onde
se julga perseguido, uma velha mansão decrépita e aparentemente abandonada, a
casa de um amigo negro (sem dúvida uma das personagens mais interessantes do
filme) que se afastou das pessoas para viver só com os cães que cria, a casa de um segundo
amigo, surdo-mudo que Danny protege da troça alheia. Quando Danny ainda era
bebé, o pai foi enforcado por ter assassinado um homem. Desde esse momento, o
filho carrega consigo uma culpa irracional, reforçada por todos aqueles que insistem
em recordar-lhe permanentemente o crime do pai, tratando-o como se ele não só partilhasse
dessa mácula, mas também estivesse condenado ao mesmo destino. A dada altura,
uma das personagens comenta que a culpa, mesmo quando injustificada, tudo faz para
suscitar a sua própria punição. Com efeito, o protagonista concretiza o destino
a que os outros o condenavam e de que ele próprio não duvidava. Só no momento em que, depois de uma fuga pelo
pântano, regressa ao passado, visitando a avó e as sepulturas dos progenitores,
alcança uma espécie de pacificação, ao compreender as razões para o crime do
pai (que havia assassinado o médico que recusara assistência à sua mulher
doente, que tinha acabado por morrer). Assumir plenamente a verdadeira herança
do passado liberta-o para enfrentar o seu próprio futuro. Paradoxalmente,
entregar-se à polícia é a primeira afirmação de liberdade na sua vida. O
Cinéfilo Preguiçoso não ficou para a segunda sessão da Double Bill, com The Southerner, de Jean Renoir (1945), porque
já tinha visto este filme e a preguiça falou mais alto.