13 de janeiro de 2019

O Círculo | Feliz Como Lázaro


Curiosamente, esta semana o Cinéfilo Preguiçoso viu dois filmes que têm em comum um mundo opressivo e um movimento de fuga que fracassa. Em O Círculo (2000), visto na Cinemateca, o realizador iraniano Jafar Panahi segue as trajectórias de meia dúzia de personagens femininas que acabaram de fugir da prisão ou que foram detidas há pouco. O tema predominante é o do medo em face da omnipresença das autoridades ou de pessoas hostis. O Círculo é um filme dinâmico que mostra corpos em trânsito, vagueando por uma Teerão filmada como cidade barulhenta, confusa e, sobretudo, indiferente. Os momentos mais fortes do filme, paradoxalmente ou não, são, contudo, aqueles em que o frenesim dá momentaneamente lugar à espera, por parte de personagens que se esforçam para decifrar o cenário que as rodeia antes de decidirem o que vão fazer. A mensagem política é clara: o mundo exterior assemelha-se à prisão que estas mulheres acabaram de deixar ou se preparam para (re)encontrar. Não surpreende que este filme tenha sido banido pelo Ministério da Cultura iraniano, à semelhança do que viria a suceder repetidas vezes na carreira de Panahi, que acabou sendo condenado a prisão domiciliária e está há vários anos impedido de sair do país. Por sua vez, Feliz Como Lázaro (2018), da italiana Alice Rohrwacher, visto no videoclube de uma operadora de telecomunicações, combina, por um lado, o realismo da representação de uma comunidade de agricultores que vive numa plantação de tabaco remota e isolada, numa situação anacrónica de servidão, com, por outro, um registo de fábula, centrado na personagem de Lázaro, um jovem simples de espírito com laivos de S. Francisco de Assis, que, na sequência da queda por uma ravina, adormece durante décadas e acorda, como uma espécie de Bela Adormecida no masculino, sem ter envelhecido. O reencontro num subúrbio deprimente com os antigos companheiros da plantação, já livres mas em plena situação de miséria, vivendo de expedientes, sugere uma conclusão que, afinal de contas, não difere radicalmente da de O Círculo: a liberdade é ilusória e as circunstâncias políticas ou sociais condicionam a vida e a possibilidade de se ser feliz de forma tão violenta como as grades de uma prisão. Não se pode dizer que esta noção seja explorada com muita profundidade em Feliz Como Lázaro, que, aliás, não pretende ser um filme meramente político, mas o equilíbrio que Rohrwacher alcança entre as dimensões realistas e fantásticas é notável, daí resultando uma obra original e sedutora que nos recorda que o desejo de ser surpreendido é uma das razões pelas quais ainda vemos filmes. O Cinéfilo Preguiçoso, que já escreveu também sobre o filme Táxi (Jafar Panahi, 2015), irá estar atento à estreia em Portugal da última longa-metragem deste realizador, Três Rostos, anunciada para o dia 31 de Janeiro.