Esta semana, pouco entusiasmado com os filmes em cartaz nas salas, o Cinéfilo Preguiçoso viu em DVD O Som da Montanha (Yama no Oto), de 1954, realizado por Mikio Naruse. Baseado no romance homónimo de Yasunari Kawabata, este filme centra o seu enredo numa família composta por um casal e pelos pais do marido, a que se junta a irmã deste, que se refugia na casa paterna com os dois filhos pequenos devido a problemas conjugais. A linha narrativa principal acompanha a degradação da relação entre Kikuko (interpretada por Setsuko Hara, sublime como sempre) e o marido, que a trata com desprezo e mantém uma relação extraconjugal pouco disfarçada. O feito mais notável do filme é a habilidade da construção narrativa que permite manter esta tensão mesmo quando, aparentemente, envereda por linhas narrativas secundárias. O estilo de Naruse é sóbrio, alternando cenas aparentemente neutras, dedicadas a episódios do quotidiano, com momentos de maior intensidade emocional e de uma franqueza nos diálogos que contrariam a visão estereotipada do cinema japonês baseada na alusão, na contenção emocional e na elipse. O Som da Montanha retrata uma situação estagnada de conflito no seio de uma família e o movimento de ruptura que Kikuko efectua, primeiro de forma velada, mais tarde de forma plenamente assumida, na comovente cena final do encontro com o sogro num parque. Esse movimento resulta no estilhaçar de uma falsa estabilidade familiar e representa um acto de libertação, paradoxalmente protagonizado por uma mulher que o marido comparava a um lago, por oposição à amante, que associava a uma torrente. O Cinéfilo Preguiçoso, ainda mal familiarizado com a filmografia de Naruse, ficou com a curiosidade aguçada para ver mais filmes deste cineasta e descobrir se o estilo de O Som da Montanha, combinando o vocabulário narrativo do melodrama, o naturalismo do quotidiano, a ausência de moralismos e alguns momentos de um lirismo desconcertante (a máscara nô, a música clássica na noite de tempestade), é dele característica ou se foi simplesmente a solução encontrada para fazer justiça ao romance de Kawabata.