Disponível nos videoclubes das operadoras de telecomunicações, Os Tradutores (2019), de Régis Roinsard, parte de uma ideia inspirada no processo de tradução do romance Inferno, de Dan Brown: concentrar os tradutores de determinado livro num bunker para garantir a rapidez do trabalho e impossibilitar as fugas de informação sobre um potencial bestseller. Os Tradutores seria um filme muito melhor se se concentrasse em aprofundar as personagens referidas no título. Em vez disso, dispersa-se num enredo pseudopolicial com uma narração relativamente complicada que, tal como a maioria dos thrillers contemporâneos, abusa de flashbacks, relatos pouco fiáveis e mudanças de perspectiva. O enredo sublinha, por um lado, a personagem de Oscar Brach, pseudónimo do autor misterioso do livro a traduzir, inspirado por Thomas Pynchon (Nicolas Richard, o tradutor francês de Pynchon foi consultor do filme), e, por outro, as desventuras e injustiças do meio editorial. Apesar da opção invulgar de ter tradutores como personagens importantes e de haver um autor que acaba por fazer alguma coisa pelos tradutores, ao contrário do que habitualmente acontece, o filme circunscreve-se a alguns lugares-comuns sobre a profissão, sem ser capaz de os explorar a seu favor. Além de encontrarmos o tópico já entediante do editor como vilão, muito em voga ultimamente, verificamos que cada tradutor corporiza um ou mais estereótipos associados à actividade, alguns mais absurdos do que outros. Podemos chamar-lhes falácias, na medida em que, ao contrário do que se passa neste filme, raramente existem em estado puro num tradutor só, embora possam estar presentes em diferentes graus em todos eles. Temos a falácia da pressão (o tradutor que facilmente cede ao stress, como se não estivesse habituado a conviver diariamente com esse problema); a falácia da identificação (o tradutor que se confunde com as personagens ou com o autor, chorando ao traduzir o livro); a falácia da exclusividade (o tradutor que acha que só ele deve traduzir determinado autor); a falácia do método único (o tradutor que acha que só há uma maneira correcta de traduzir um livro – a dele); a falácia financeira (o tradutor que trabalha só pelo dinheiro, como se se ganhasse muito a traduzir); a falácia da frustração (o tradutor como autor frustrado); a falácia do convívio (o tradutor que ambiciona conviver com o autor e ser amigo dele, como se o autor não tivesse mais nada que fazer). Se não há mais filmes sobre tradutores e tradução, é porque se trata de um tema difícil. Talvez a maior dificuldade seja fazer justiça à complexidade do universo mental desta actividade. Sem dúvida, como neste filme, há momentos de terror e angústia na tradução; contudo, ao contrário do que se passa em Os Tradutores, também há momentos de prazer perante o trabalho bem feito, uma sensação que talvez não seja particularmente cinematográfica.