6 de setembro de 2020

Setembro

E cá estamos em Setembro, mês de transições e também o título de um filme de 1987 realizado por Woody Allen. Entre tempestades imprevistas que parecem poder mudar tudo mas não mudam nada, na luz suave e nas sombras da casa de férias onde decorre a acção deste filme, quase todas as personagens estão de passagem, umas para retomarem a vida anterior, outros para começarem vida nova. A peça Tio Vânia, de Tchékhov, costuma ser referida como influência principal do filme, devido não só à concentração da acção num só espaço, mas também ao entrecruzamento das relações das personagens. Note-se, no entanto, que em Tchékhov as personagens são quase sempre maiores do que a vida que têm, enquanto neste filme só temos personagens menores, que não parecem estar à altura da casa. Esta casa no meio de nenhures, cheia de recantos em que as personagens podem encontrar-se ou isolar-se (uma reconstituição em estúdio de uma casa de Mia Farrow no Connecticut), e onde se guardam recordações acumuladas ao longo de vários anos, é a única personagem maior do que a vida do filme, está à venda e assiste ironicamente à “dispersão da sua raça”. Curiosamente, como em A Verdade, de Kore-eda, temos em Setembro uma relação problemática entre mãe (Diane/Elaine Stricht) e filha (Lane/Mia Farrow), em que um dos motivos de conflito é um livro de memórias da mãe em que a verdade é distorcida. Em torno desta relação, giram as outras personagens – Howard (Denholm Elliot), apaixonado por Lane; Stephanie (Dianne Wiest); amiga de Lane; e Peter (Sam Waterston), um publicitário que se isolou ali para tentar escrever um romance e que funciona como centro de interesse das personagens femininas – um interesse que, por ser difícil de explicar, é um dos aspectos mais intrigantes do filme. Devido a dificuldades de casting, Woody Allen filmou Setembro três vezes, duas delas integralmente, substituindo actores ou alterando a distribuição de papéis. É preciso reconhecer que, interpretado por Christopher Walken ou por Sam Shepard, respectivamente a primeira e a segunda escolhas, o inseguro Peter seria uma personagem muito diferente. A partir do que já escrevemos, facilmente se percebe que temos em Setembro personagens e temas bastante comuns no cinema de Woody Allen: relações problemáticas e cruzadas, artistas frustrados ou demasiado autocríticos, temperamentos artísticos que não encontram o meio de expressão adequado, descontentamentos e motivações egoístas, pequenas traições entre amigos ou amantes, segredos mal escondidos e enganos. O que sobressai neste filme é precisamente a realização: o modo como o realizador, apesar de manter o olhar irónico, suspende o riso e demonstra alguma compaixão pela mediocridade agitada das personagens. Apesar de nenhuma delas gerar simpatia, compreendemo-las dolorosamente. Setembro foi um fracasso de bilheteira, além de ter sido recebido muito friamente pela crítica; está na altura de rever favoravelmente a sua posição e importância na obra de Woody Allen.