Visto no Nimas, Verão de 85, de François Ozon (2020), é um filme bastante melhor do que se poderia esperar após o visionamento do trailer, que aponta para uma dimensão nostálgica um tanto apalhaçada a que nem sempre Ozon consegue escapar. Neste caso, no entanto, a nostalgia kitsch é deflectida, por um lado, pela abordagem irónica, e, por outro, por uma faceta efabulatória, mórbida e quase fantástica, típica da adolescência. Mesmo os anos oitenta que aqui temos são idealizados e estilizados, parecendo um período mais elegante e com mais bom gosto do que na realidade foram, ao som de uma banda sonora que inclui The Cure, Lloyd Cole, Bananarama e Rod Stewart, entre passeios de barco, idas ao cinema e noites em discotecas. Verão de 85 baseia-se livremente no romance Dance on My Grave, de Aidan Chambers, livro que acompanha Ozon há muito tempo, tendo inspirado cenas e temas de filmes como Sob a Areia (2000), Dentro de Casa (2012), Uma Nova Amiga (2014) e Frantz (2016). O filme não só começa num espaço rohmeriano – a marginal de uma praia em que o protagonista procura um amigo – como também inclui Melvil Poupaud, o protagonista inesquecível de Conto de Verão (1996), aqui quase irreconhecível no papel de um professor de literatura. Rapidamente, no entanto, Verão de 85 se transfere para o universo típico de Ozon: coisas mentais, interpretações que se sobrepõem à realidade, sentimentalismo duvidoso mas ligeiramente irónico, alguns fetiches e um protagonista que não gosta de falar e prefere escrever. No início do filme ficamos a saber que Alexis (Félix Lefebvre) cometeu um crime, que só será revelado perto do final; constatando que Alexis se mostra incapaz de falar sobre o assunto, a assistente social e o professor de literatura convencem-no a narrar por escrito a história da relação com David (Benjamin Voisin) que desencadeou essa situação. Acompanhamos esse relato enunciado por um narrador obcecado com a morte que lê Verlaine, mas ainda não assimilou plenamente o conteúdo nem da sua obsessão nem do verso «Il faut, voyez-vous, nous pardonner les choses». Todo o filme decorre nessa dimensão mental e verbal associada a uma compreensão incompleta e fantasiosa da vida. Durante um naufrágio, na discoteca e no cemitério, as diferentes aparições da canção “Sailing”, de Rod Stewart, todas elas momentos marcantes do filme, chamam a atenção para essa vertente mental da relação entre as duas personagens principais. A dada altura, o protagonista diz: “Amava-o como se compreendesse todos os sentidos da palavra ‘amar’”, mas talvez lhe faltassem algumas acepções desse verbo, como nos dicionários que precisam de actualização. Além disso, todo o filme se rege pela noção de que inventamos a pessoa que amamos e depois temos de nos libertar da história que nós próprios criámos. Como muitas vezes acontece no cinema de Ozon, sentimos que em Verão de 85 o kitsch está próximo ou já se instalou, mas acaba por ser apenas mais um elemento nesta teia interessante e bem urdida.