Como se interessa por bibliotecas, há algum tempo que o Cinéfilo Preguiçoso sentia curiosidade em relação ao documentário Ex Libris: New York Public Library (Frederick Wiseman, 2017) – e esta semana viu este filme em DVD. Do ponto de vista metodológico, as estratégias privilegiadas por Wiseman em Ex Libris não são muito diferentes das que usa em documentários bem conhecidos do público português, como A Dança (2009), sobre Le Ballet de L’Opéra de Paris, ou National Gallery (2014): limita-se a estar presente e a filmar os locais e as pessoas que trabalham na instituição abordada ou que com ela interagem, encarando a filmagem como um processo de investigação e prescindindo por completo de comentários ou entrevistas. A Biblioteca Pública de Nova Iorque distingue-se por ter vários edifícios e filiais espalhados pela cidade e Wiseman dá atenção a todos estes desdobramentos, filmando também de vez em quando o espaço urbano em que estes edifícios se inserem. Em geral, no entanto, Ex Libris é um filme de interiores. Como em National Gallery, acompanhamos diferentes grupos de pessoas numa grande diversidade de actividades: reuniões da administração, sessões de esclarecimento ou de formação (em áreas tão variadas como tecnologia, leitura de Braille, ou apoio pós-escolar), atendimento ao público, encontros com escritores, clubes de leitura, concertos, investigação, etc. Não são descurados certos aspectos e pormenores técnicos de algumas destas actividades: quando assistimos, por exemplo, a uma primeira aula de Braille, ficamos a saber com que dedos se lê; surpreendemo-nos com a profundidade de conhecimentos do funcionário que responde ao telefonema de alguém que quer saber mais sobre unicórnios; adquirimos informação sobre critérios de organização e de empréstimo de alguns arquivos de imagens; aprendemos coisas sobre modelos de financiamento. Este documentário foi filmado em plena era Trump, e o próprio Wiseman assume, por contraste, uma abordagem política que atribui grande importância à dimensão democrática e inclusiva desta biblioteca, descrita como instituição de combate à desigualdade, na medida em que dá acesso à informação. A dada altura, no contexto de um concurso de projectos de arquitectura, uma arquitecta explica que não vê as bibliotecas como lugares de livros, mas sim como lugares de pessoas – e Wiseman está próximo desta perspectiva. Apesar de, à primeira vista, a igualdade parecer um conceito abstracto, Wiseman torna-o bastante concreto quando filma atentamente as pessoas que participam nas actividades dos diferentes espaços, mostrando toda a diversidade cultural dos públicos, dos profissionais e dos convidados ali reunidos. Um momento alto associado a este tema é aquele em que, numa reunião de administração, a propósito de uma discussão sobre a presença de pessoas sem-abrigo na biblioteca, um dos responsáveis salienta um traço distintivo desta, quando explica que, apesar de na vida normal parecer haver fronteiras entre diferentes grupos de pessoas, na biblioteca essas fronteiras não existem e todas as pessoas são iguais. Convém salientar, no entanto, que alguém que decida ver este filme porque se interessa simplesmente por livros, hábitos de leitura e métodos de organização de informação poderá sentir-se ligeiramente desiludido. Ao contrário do que acontece em National Gallery, em que se dá uma grande atenção às propriedades físicas das obras de arte, em Ex Libris Wiseman parece mais preocupado com as dimensões imateriais e desmaterializadas de uma biblioteca e com a sua função social. É uma abordagem que desaponta um pouco os amantes de livros em papel, mas talvez por isso mesmo propicie a reflexão sobre o futuro destas instituições.