6 de junho de 2021

Network

O Cinéfilo Preguiçoso não costuma arrepender-se quando decide ver filmes norte-americanos dos anos 70: são frequentemente imperfeitos, por vezes espalhafatosos, mas não têm o carácter asséptico e formatado das produções actuais e raras vezes são desinteressantes. Visto num canal de televisão, Network (Sidney Lumet, 1976) passa-se numa época em que os pioneiros da televisão, que tinham iniciado as suas carreiras nos anos 40 e 50, começavam a envelhecer e a aproximar-se da reforma e viam surgir novas realidades, como a tirania das audiências e o domínio das grandes corporações. Howard Beale (Peter Finch) é o pivô de um programa de informação que, confrontado com o despedimento iminente, anuncia que se vai suicidar em directo, manifestando uma desintegração psicológica que faz subir as audiências. Por sugestão da directora de programação, Diana (Faye Dunaway), o canal, em vez de o suspender, transforma Beale no protagonista de um novo programa onde aparece como profeta urbano encolerizado, debitando sentenças delirantes sobre o estado do país e apelando ao público para se manifestar contra a podridão da sociedade, para consternação do colega de longa data (William Holden), que não concorda com a exploração de Beale, mas não deixa por isso de encetar uma relação romântica com Diana. Network capta eximiamente uma fase delicada da história dos E.U.A., marcada quer pela ressaca do Watergate e da guerra do Vietname quer pela instabilidade económica (o choque petrolífero tinha ocorrido há poucos anos). Muitas das críticas implícitas ao poder corporativo e à capacidade da televisão para manipular as massas mantêm-se actuais, podendo até parecer algo ingénuas, porque hoje em dia nos parecem óbvias, mas isso é compensado por um argumento e uma realização ricos e complexos, que transmitem com eficácia um zeitgeist marcado pela angústia e pelo receio perante as forças que mudavam a sociedade. A este respeito, é sintomático que as personagens que protagonizam a subversão da velha ordem, mantida por homens brancos respeitáveis, sejam ou loucos (Beale) ou mulheres, como a própria Diana ou Laureen, que está no centro de um dos enredos secundários e, como se não bastasse ser mulher, é negra, comunista e convive com terroristas. Mas nem tudo é tão simples como parece: por um lado, as personagens supostamente mais subversivas reforçam o poder da cadeia de televisão, servindo os interesses desta; por outro, alguns dos protagonistas da velha ordem já estão em transição, acabando por ser um instrumento das mudanças mais radicais, como é o caso de Jensen (Ned Beatty), o presidente do grupo empresarial detentor do canal de televisão e que, com uma eloquência bíblica, numa cena que poderia ter sido filmada décadas mais tarde por Paul Thomas Anderson, exorta Beale a esquecer a democracia e as nações, anunciando uma era em que o poder reside unicamente nas empresas e no dinheiro. O elenco de Network foi copiosamente premiado na cerimónia dos Óscares: não escandalizam as distinções atribuídas a Faye Dunaway e Peter Finch (este a título póstumo – morreu subitamente em Janeiro de 1977), apesar de nesse ano Robert De Niro ter sido nomeado também como melhor actor principal por Taxi Driver, mas é no mínimo bizarro que Beatrice Straight, no papel da mulher da personagem de William Holden (que foi nomeado mas não ganhou) tenha recebido o Óscar de melhor actriz secundária, dado o número reduzido de cenas em que aparece – talvez isso se deva à circunstância de nesta época não haver muitos bons papéis secundários para mulheres. O Cinéfilo Preguiçoso saiu deste filme com vontade de conhecer melhor a extensa filmografia de Lumet e o cinema norte-americano dos anos 70.