O Cinéfilo Preguiçoso comprou o DVD de O Jardim dos Finzi-Contini (Vittorio de Sica, 1970) depois de ler o romance de Giorgio Bassani que o inspirou. O enredo gira em torno das aventuras de um grupo de jovens em Ferrara, imediatamente antes e durante a Segunda Guerra Mundial, na altura em que o governo de Mussolini impõe as leis de discriminação racial contra os judeus. Enquanto o livro é uma obra-prima de contenção e subtileza, o filme, embora captando bem o isolamento e a atmosfera quase de conto de fadas da casa e do jardim dos Finzi-Contini, sublinha as circunstâncias históricas relacionadas com a aproximação da guerra e a perseguição anti-semita, tornando antecipadamente claros alguns elementos trágicos que os leitores só percebem no fim do livro. A aparente atmosfera de ócio, convívio e prazer destes jovens no Verão, com as relações quase proustianas que os unem e separam, entre diferenças sociais, políticas e raciais, é gradualmente substituída pelas preocupações e consequências da História. Instala-se uma sensação de incerteza, de espera e de desperdício que põe em suspenso as vidas das personagens e de outros italianos, acabando por as destruir. Um dos trunfos tanto do livro como do filme é a ambiguidade da relação de duas personagens principais (Micol Finzi-Contini/Dominique Sanda e Giorgio/Lino Capolicchio). Micol diz-se incapaz de ter uma relação amorosa com Giorgio, apesar de serem próximos desde a infância e de existir uma atracção clara entre eles; cabe ao leitor/espectador reflectir sobre as razões desta impossibilidade: excesso de proximidade entre os dois, diferenças de classe, percepção da ausência de futuro. Num dos momentos mais belos do filme e do livro, Micol comenta com Giorgio que os dois são iguais porque para eles conta mais a memória das coisas do que a sua posse – têm «o vício de avançar com a cabeça voltada para trás». Todo o filme se caracteriza por esta nostalgia por um tempo e um lugar que se sente já estarem perdidos, apesar de ainda não terem desaparecido. Vittorio de Sica reconstitui bem tanto a esfera individual como a esfera colectiva deste período negro da Itália e da Europa. O Jardim dos Finzi-Contini foi premiado com o Urso de Ouro do Festival de Berlim e também com o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, o quarto filme deste realizador a receber esta distinção (embora no caso dos dois primeiros, Sciuscià e Ladrões de Bicicletas, de 1946 e 1948, tivessem sido prémios especiais, atribuídos antes de esta categoria se tornar oficial). Não é um dos filmes mais amados de Vittorio de Sica, talvez por cultivar uma atmosfera algo telenovelesca que está ausente do livro. Vendo-o agora, sentimos que se move num território que Luca Guadagnino tem explorado em filmes como Eu Sou o Amor (2009) ou Chama-me pelo Teu Nome (2017). Não seria surpreendente que Guadagnino um dia fizesse um remake deste título; se isso acontecer, esperemos que não o complique tanto como complicou Suspiria (2018).