12 de setembro de 2021

Happy Hour


O Cinéfilo Preguiçoso aprecia a brevidade e não consegue evitar um certo cepticismo prévio em relação a filmes muito longos, embora a lentidão e a exploração do tempo sejam estratégias válidas e não forçosamente fruto da megalomania e complacência dos realizadores. O filme desta semana, visto na RTP 2, é Happy Hour (2015), de Ryusuke Hamaguchi. A duração (quase cinco horas e meia) impôs uma divisão em três partes que já tinha sido adoptada aquando da estreia em sala e que parece um tanto arbitrária: o filme é interrompido na transição de uma cena para outra, sem motivo aparente para que o corte ocorra naquele momento. O enredo centra-se num quarteto de amigas na casa dos 30 anos, residentes em Kobe, no Japão, no processo de divórcio traumatizante que uma delas está a atravessar e nos efeitos que este tem sobre as outras personagens e as suas relações. Há ainda uma personagem, Ukai, que começa por ser secundária, mas desempenha um papel central. Ukai é um artista que trabalha com objectos em equilíbrio precário que acabam por ser derrubados pelo vento ou outro fenómeno meteorológico. Esta prática pode ser vista como uma metáfora das relações das personagens: aparentemente estáveis, mas à mercê de abalos que, apesar de parecerem débeis, têm potencial para provocar estragos. O curso que Ukai ministra, em que tenta transmitir o seu dom a outras pessoas, é um dos momentos em que o tempo da acção é esticado muito para lá daquilo que as convenções cinematográficas costumam ditar. Parece que nada se passa, mas, como noutros momentos longos deste filme (por exemplo, na sessão de leitura integral de um conto pela autora, uma jovem escritora de sucesso que acaba por causar a ruptura de uma das protagonistas com o companheiro), existe uma profusão de pequenos acontecimentos, gestos e olhares com uma importância para a evolução das personagens que se torna clara mais tarde. A dilatação do tempo e o tom de improvisação fazem lembrar Jacques Rivette, mas Cassavetes e Bilge Ceylan são outras influências verosímeis, pela maneira como as conversas se prolongam até um ponto em que as personagens revelam algo de si mesmas para lá da dimensão verbal. Não se pode dizer que Happy Hour seja um filme isento de problemas: a atonia emocional de algumas personagens masculinas retira impacto dramático à parte final, e estranha-se a mania de filmar os actores em contraluz. Ainda assim, é um filme intenso, cativante e ambicioso, bem mais satisfatório do que o algo superficial Asako I & II (realizado imediatamente depois, estreado em 2018). O LEFFEST 2021 exibirá dois filmes de Hamaguchi inéditos em Portugal – Wheel of Fortune and Fantasy (2021) e Drive My Car (2021) – no âmbito de uma retrospectiva dedicada ao realizador. Será uma boa oportunidade para conhecermos melhor a sua obra.