21 de novembro de 2021

Drive My Car

O Cinéfilo Preguiçoso quis aproveitar o ciclo dedicado a Ryusuke Hamaguchi no LEFFEST para ver mais filmes deste realizador japonês. Drive My Car (2021), a sua longa-metragem mais recente, baseia-se num conto de Haruki Murakami e tem como personagem principal Yusuke, um dramaturgo cuja mulher morre subitamente. O filme tem como linha condutora a relação de Yusuke com o seu carro, que funciona não só como meio de deslocação, mas também como instrumento de trabalho: é enquanto conduz que estuda as deixas das peças em que está a trabalhar, gravadas em cassete pela sua mulher, cuja voz, deste modo, continua a ouvir regularmente mesmo depois de ela ter morrido. Durante uma estadia em Hiroxima, onde prepara uma encenação multilingue de O Tio Vânia, Yusuke vê-se obrigado, por questões relacionadas com o seguro do teatro em que está a trabalhar, a deixar o seu carro ser conduzido por uma jovem motorista, com quem vai aos poucos criando intimidade. Esta cedência a contragosto funciona como metáfora da incapacidade, por parte de Yusuke, de abdicar do controlo das suas emoções e de se reconciliar com a memória da mulher e com a angústia que sente por nunca terem conseguido conversar sobre a sua relação, abalada pela morte já distante no tempo de uma filha pequena, e depois por diversas escapadelas da mulher, que Yusuke finge ignorar. Aliás, este é provavelmente o problema principal de Drive My Car: a abundância de situações e episódios que parecem descrever metaforicamente os sentimentos e relações das personagens. Isso é notório nas longas cenas de ensaio e representação da peça: o convite para que o espectador encare o texto de Tchékhov como um comentário ao enredo do filme é demasiado óbvio. (Compare-se com L'Amour Fou, filme de Jacques Rivette realizado em 1969, onde o texto de Racine ensaiado pelas personagens é apresentado de forma neutra e documental, realçando assim a intensidade dramática das vidas dos actores fora do palco.) O final de Drive My Car é ambíguo, permitindo diversas interpretações, algumas das quais talvez excessivamente sentimentais. Em resumo, apesar de confirmar algumas virtudes de Hamaguchi, nomeadamente a capacidade tanto de encenar enredos complexos protagonizados por personagens ricas como de explorar o tempo da narrativa de forma criativa e ousada, Drive My Car é menos satisfatório do que Happy Hour (2015), onde estas características não eram diluídas por tanto sentimentalismo e abundância de digressões psicológicas. Esperamos voltar a falar de Hamaguchi muito em breve.
 
Outros filmes de Ryusuke Hamaguchi no Cinéfilo Preguiçoso: Happy Hour (2015), Asako I & II (2018).