Vendo Petite Maman (Céline Sciamma, 2021) num canal de televisão, o Cinéfilo Preguiçoso recordou imediatamente uma expressão antiga – «duas mães e duas filhas, cobertas por três mantilhas» – que descreve uma situação em que estão presentes três mulheres (uma avó, uma mãe e uma filha), mas com sobreposição de papéis entre elas. Com ecos do enigma que a Esfinge propõe a Édipo (sobre uma estranha criatura que de manhã anda com quatro pés, à tarde anda com dois e à noite com três, mas fala com uma só voz), esta adivinha ancestral adequa-se extraordinariamente bem a um filme em que neta e filha se despedem de uma mulher que é avó de uma e mãe da outra. Também em Petite Maman os papéis de mãe e filha se sobrepõem: quando os pais de Nelly (Joséphine Sanz) voltam à casa da avó para a esvaziar depois da sua morte, Marion (mãe de Nelly) desaparece de modo inesperado. Por isso, enquanto faz o luto da avó, a menina sente falta da sua própria mãe e tenta assimilar também a ausência desta. Pouco depois, no entanto, encontra nos bosques em redor uma rapariga da mesma idade e que também se chama Marion (interpretada por Gabrielle Sanz, irmã gémea da actriz na vida real). Esta menina vive numa casa igual à da avó, mas no passado; portanto só pode ser a sua mãe, quando era pequena. Descritas deste modo, estas sobreposições parecem confusas, mas, graças à atmosfera de conto de fadas que reina em Petite Maman, desenvolvem-se com uma clareza e uma naturalidade surpreendentes. (Não custa imaginar a profusão de adornos e efeitos que um realizador menos comedido teria usado para explorar estas transições entre épocas, provavelmente estragando por completo o filme.) Esta situação permite a Nelly reflectir não só sobre o seu próprio luto de neta, mas também sobre o luto que a sua mãe faz enquanto filha, como se as fronteiras entre estas três mulheres fossem muito mais ténues do que parecem. Apesar de Petite Maman ser um filme em que o tempo e as personagens se desdobram e suspendem, e no qual parece não acontecer nada, a não ser o luto e outras coisas impossíveis, o espectador fica suspenso do ecrã precisamente por causa da atmosfera intemporal e enigmática em que se vê envolvido, como se pressentisse que no fim terá de se confrontar com uma esfinge que o vai intimar a decifrar e explicar este enredo que oscila entre o conto infantil, a história de fantasmas e o ritual de passagem. Depois de Retrato de Rapariga em Chamas (2019), Céline Sciamma continua a explorar o estatuto e a identidade das mulheres e meninas, aquilo que as une e separa ou distingue, o que são e o que podem tornar-se. Tal como no enigma da Esfinge, o mistério é a humanidade que as três personagens femininas partilham. O grande mérito de Sciamma consiste em mostrar este mistério com uma simplicidade tocante, que nunca deriva para a trivialidade.