As adaptações da obra de Balzac não têm ficado na história do cinema. Se exceptuarmos as que Jacques Rivette realizou, muito livres e nada ortodoxas, predominam as obras convencionais, frequentemente próximas de um realismo pouco ambicioso e cheio de reverência pela monumentalidade da Comédia Humana. Curiosamente, as adaptações televisivas são muito mais numerosas do que as cinematográficas. Ilusões Perdidas (2021), que passou recentemente pelas salas e entretanto o Cinéfilo Preguiçoso gravou num canal de televisão, consegue destacar-se desta massa um tanto amorfa, apesar de nem a sua estrutura nem o seu estilo serem inovadores. O filme é escrito em parceria, pelo crítico e argumentista Jacques Fieschi e o realizador, Xavier Giannoli, que já tem uma carreira sólida mas que nunca alcançou o reconhecimento de cineastas da mesma geração como, por exemplo, François Ozon e Christophe Honoré. Dando mostras de sensatez, os argumentistas optaram por se concentrarem na secção central do romance de Balzac, sobre a ascensão e queda do protagonista, Lucien de Rubempré, que, tal como o autor, veio da província para Paris e teve de aprender a lidar com as tentações e os códigos sociais da capital. (Fica de fora a parte final, que se situa na terra natal de Lucien e culmina no encontro com Vautrin, personagem central da Comédia, abrindo caminho para o monumental Esplendores e Misérias das Cortesãs.) Uma adaptação integral levaria a que o filme, que mesmo assim dura duas horas e meia, se arrastasse para lá do razoável. O principal fio condutor do enredo é o dinheiro: tudo se compra, na arte como na política, incluindo os aplausos e apupos nas estreias, as críticas favoráveis e desfavoráveis e os títulos de nobreza; Lucien abraça essa venalidade sem ter a experiência nem a sagacidade para se defender das suas consequências nem dos inimigos que o sucesso lhe traz. O filme capta competentemente a essência dos romances de Balzac, ao retratar a sociedade como produto da interacção dinâmica e conflituosa entre as paixões e fraquezas individuais, por um lado, e as instituições, leis e convenções, por outro. A crítica da corrupção e da venalidade é intemporal, mas a referência abundante aos processos de criação e disseminação de notícias falsas é dolorosamente actual. É triste constatar que não houve grande evolução entre a França do princípio do século XIX e a era do Twitter e do Facebook. Estas críticas são sublinhadas pela voz do narrador, que parece abusar de fórmulas nada balzaquianas e um tanto superficiais. No final do filme, ficamos a saber que a narração sai da pena de Nathan, rival de Lucien que acaba por se aproximar deste, escrevendo posteriormente um romance baseado na sua vida. Em retrospectiva, esta revelação justifica o uso abundante da voz off. Merece ainda menção o elenco, muito rico e equilibrado. Não é tarefa fácil integrar de forma harmoniosa veteranos consagrados, como Gérard Depardieu, Jeanne Balibar ou André Marcon, e jovens como Benjamin Voisin (Lucien) e Vincent Lacoste (Lousteau) – ambos galardoados com césares por este filme –, sem esquecer o notável desempenho do actor (e realizador) canadiano Xavier Dolan, no papel de Nathan. Ilusões Perdidas não é uma obra-prima, mas tem muitos motivos de interesse e até é capaz de integrar o “top 10” das adaptações cinematográficas de Balzac, embora não tenha concorrentes muito interessantes.