O Cinéfilo Preguiçoso continua empenhado em descobrir mais filmes realizados por Sidney Lumet. Nesta semana, viu na televisão Serpico (1973), baseado na vida do agente com o mesmo nome que se recusou a alinhar no esquema de subornos que minava a polícia nova-iorquina no final dos anos 60 e cujas denúncias levaram ao estabelecimento de uma comissão de inquérito independente e a uma tomada de consciência sobre o problema da corrupção na polícia. O argumento, baseado no livro do jornalista Peter Maas sobre esta questão, descreve o percurso de Frank Serpico (Al Pacino) de forma bastante linear, apesar de as cenas iniciais mostrarem o desfecho da sua carreira: alvejado na cara durante uma operação, ficou com sequelas físicas que o incapacitaram. Logo nessa cena, sugere-se que o acidente pode ter sido facilitado pela negligência dos agentes que o acompanhavam, devido à impopularidade de Serpico entre os colegas. O longo flashback que aí começa mostra como essa alienação ganhou forma, essencialmente devido à recusa de Serpico em compactuar com a cultura de subornos e extorsão tolerada pelas chefias, que fingiam prestar atenção às denúncias, mas nada faziam de concreto. Este filme, um projecto acarinhado pelo produtor Dino De Laurentiis, sofreu numerosos atrasos devido a conflitos entre os argumentistas, o realizador inicialmente escolhido (John G. Avildsen, que alcançaria a fama em 1976, com Rocky), o produtor e os próprios Pacino e Serpico. Lumet, recrutado para substituir Avildsen, não teve, claramente, ocasião de imprimir um cunho pessoal ao filme. A personagem principal, na sua obstinação em fazer aquilo que acha correcto, apesar da pressão dos pares, faz lembrar as de Henry Fonda em Doze Homens em Fúria (1957) e de Paul Newman em O Veredicto (1982), também eles sós contra o mundo. Contudo, a história desenvolve-se em moldes muito simples, à base de cenas curtas sem outra função que não seja a de fazer avançar o enredo. As mais interessantes são aquelas em que vemos Serpico longe da polícia, por exemplo durante a sua relação com uma mulher do meio artístico, pois asseguram um retrato mais completo da personagem, reforçando a ideia de que o seu habitat se situa nas ruas, de preferência à paisana para não sobressair, e tornando claras as suas dificuldades de integração num ambiente doméstico ou em dinâmicas sociais. Serpico ressente-se dos conflitos que marcaram a sua génese e que provavelmente contribuíram para ter ficado a meio caminho entre um filme essencialmente biográfico e um filme mais abrangente e ambicioso, menos centrado na personagem principal. Não lhe faltam, no entanto, motivos de interesse. A realização de Lumet é, como seria de esperar, eficaz e inteligente. As cenas de exterior são intensas e convincentes. Há personagens secundárias, como o chefe Green (John Randolph), que resistem à omnipresença voraz de Pacino (nomeado para os Óscares por este filme – perdeu para Jack Lemmon). Em suma, Serpico é um membro digno da longa linhagem de filmes norte-americanos sobre personagens virtuosas que combatem situações iníquas, mas não se pode dizer que seja inesquecível.
Outros filmes de Sidney Lumet no Cinéfilo Preguiçoso: Doze Homens em Fúria (1957), Network (1976), O Veredicto (1982).